Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

sábado, 31 de janeiro de 2009

Joãozinho

Solzinho da tarde. Esquina da venda do Seu Nadir. Trocando amenidades, o Idinho e o Aldírio Ferreira. – Espera, - que o apelido deste era Aldírio Beiço, alcunha que ninguém se animava a usar quando tratava com ele, pois, além de secarrão, não se abria nunca, e, por um nadinha, nadinha, estava soltando as patas. Na mesma calçada em que conversavam, e na direção deles, vinha o Joãozinho Carriconde. Chegou, deu um bom-dia, puxou assunto sobre o tempo e antes de partir se dirigiu ao Idinho: - Te vendo cinco quilos de beiço! Compras? O Idinho gelou... O Aldírio, cinzento de brabo, não mexia com um músculo, sequer. Aquele silêncio... O Joãozinho, então, com o dedo em riste, levou-o ao umbigo do Aldírio, fazendo que lhe dava uma facada e foi se retirando. Os dois que conversavam ficaram quietos... O Joãozinho já ía longe, quando o Aldírio confessou: Que sujeitinho! Com esse eu nunca pude...
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O Joãozinho gostava de implicar com o Laquiman, motorista do carro fúnebre. Ao vê-lo, esperava que ele também lhe visse e então se benzia. Terminado um enterro o motorista manobrava o carro para guardá-lo no Pátio da Usina Velha, defronte à agência dos Correios e Telégrafos. Na frente do Correio, na calçada, o Joãozinho jogava conversa fora com o Frigideira, esperando que o Laquiman os visse, para fazer a sua implicância. Desta vez, não se benzeu, como sempre fazia, mas atirou uma linha: - Depois vem cá, Encardido, tenho que te fazer um pedido. É coisa séria! O motorista da municipalidade guardou o fordeco e atravessou a rua para ter com os dois que conversavam na janela. – Pronto, Joãozinho! Tu tá doente, hoje? Não implicaste comigo... E o Joãozinho: – Olha, Encardido, quero te contar uma coisa que eu tenho comigo: No dia que tu me levares para o beleléu, pode escrever, essa gaiota vai estragar na coxilha do Aquilino. Ou eu ou ela...

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Assim o Joãozinho levava a vida... Passou seus últimos dias num leito do hospital, cercado pelos amigos, todos bons bebedores por virtude, cada um mais moleque que o outro. Puro eles. Só vendo! Sua mulher, a Professora Alice, profundamente devotada, sempre lhe dispensando a maior atenção, não saía da cabeceira de sua cama. Certo dia, num horário de visita, apareceu no quarto o trio inseparável composto pelo Alberto, Cabrito e Paulinho do Engenho. A Dona Alice, que lutava para que o Joãozinho se ajudasse na alimentação, já estava à exaustão com as negativas dele quando ela oferecia algum alimento. Ela insistia, ora com um pouquinho de maçã, raspada com uma colherinha, ora com um biscoitinho molhado no guaraná e ele, inflexível, fazia as maiores caras de nojo e repelia o alimento. Tudo ela tentava na esperança de que alguma coisa acabasse por agradá-lo. Ele, só sacudia a cabeça em negativa. Chegava a fechar os olhos para não ouvir e demovê-la da insistente idéia alimentá-lo. Não queria mais nada e estava aceitando seu fim com determinação, cada vez enfraquecendo mais. Mas, nesse dia, com a chegada do trio, que poderia fazer companhia por uns momentos a seu marido, a Professora resolveu dar um pulinho na copa do hospital e pedir um copo de leite morno. Quem sabe? De repente o marido poderia tomar um golezinho. Nesse ínterim, ficando eles sozinhos no quarto, o Cabrito chega-se bem para perto do amigo doente e questiona: Joãozinho, tua mulher te ofereceu um pouquinho de maçã raspada, tu não quis, te ofereceu um biscoitinho molhado no guaraná, tu não quis saber... Agora, ela foi buscar um pouco de leite morno para tomares e eu sei que tu, teimosamente, não vais tomar... Aí, o Cabrito chegou mais pertinho do ouvido dele e perguntou: se eu te oferecer o fiofó garanto que tu queres? Não vais agradecer um moganguinho... Vais? O Joãozinho, que também sempre teve alta dose de espirituosidade no corpo, pareceu melhorar com a bobagem. Fez um leve sinal com a mão, pedindo a aproximação do Cabrito, e, com uma fingida cara de desconsolo, brindou os amigos boêmios com sua última molecagem, respondendo, num muxoxo, com os olhos brilhando e a voz se sumindo: - Tu não vais me dar.....

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O Joãozinho acabou indo primeiro que o Laquiman. Chovia torrencialmente naquele dia. Na Vila da Palha, dentro do boteco do Nestor Crochi, olhando as pessoas que tiveram que levar o corpo à pé e voltavam do enterro, abaixo de água, o Laquiman sacudia a cabeça. Depois de vários martelinhos, esperando a chuva amainar, da porta do bar, olhando para o Modelo A, preto, empacado quase defronte à casa do Aquilino, meio atravessado no barro da estrada, ele sacode a cabeça, mais uma vez. Por fim, pensando na última peça que o Joãozinho lhe pregara, concluiu: - Esse, sim... Esse se enterrou implicando com a gente... Esse foi de morte!...

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