Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

sábado, 31 de janeiro de 2009

Os Vaqueanos

Ano de 1784. Rafael, com a luneta expandida, olhou para o leste. Conseguiu vislumbrar algo que teria sido um forte, agora em ruínas, na embocadura do Piratinin. Depois, correu o olhar pela extensa planície do sul, ao longe, onde se fundia o céu com a linha do horizonte. Corria o óculo de alcance ora para o oeste, ora voltando lentamente para o outro lado. Por fim, olhou abaixo o arranchamento do Passo da Maria Gomes que, dali do cerrito, onde subira com o Alferes Guilherme, era visto em toda a sua plenitude. Passou a luneta para o outro e sentou-se na raiz de uma caneleira frondosa que lhes dava sombra. Quedou-se, pensativo, com o olhar perdido naquele verde à sua frente, do outro lado do rio serpenteante. Novamente aquela idéia obsessiva o obrigava a uma confidência com seu companheiro de tantas incursões pelas pradarias da Província. – Sabes, Guilherme, é muita judiaria uma região tão bonita como essa, além do rio, não ter dono e nós não termos coragem para conquistá-la?... O Alferes, que olhava para os lados das Asperezas, fechou a luneta, vagarosamente, colocando-a sobre o alforje que estava no chão a seus pés. Caminhou em volta da árvore onde estavam e voltou com três pedrinhas e dois galhos pequenos de vassoura vermelha. Sentou-se defronte ao Coronel que, quieto, cuidava sua movimentação. Desgalhou os ramos. Amontoou as três pedrinhas dizendo: - Vê, amigo, se estou errado. Estes são os três cerros que vemos ao poente, mais à esquerda daquele cerro chato. Do lado desta pedrinha nasce aquele arroio grande que morre lá embaixo, nos pantanais, quando encontra a Mirin – e apontou com o braço na direção da lagoa. E este é o Piratinin – continuou – encostando à outra pedra o outro galho, em paralelo ao primeiro. Tirou da algibeira um fuzil, que usava para acender o pito, colocou-o lá embaixo, em pé, à direita do rio, como se fosse o antigo Forte de São Gonçalo, e continuou a sua fala: – Rafael, nós conhecemos, como ninguém, estas paragens. Daqui, até além do Tacoary, são como a palma da nossa mão. Vamos aproveitar que os espanhóis não conhecem a região e estão atrapalhados, peleando com os charruas, lá no Rio da Prata, para fazermos um acampamento num daqueles três cerros. Depois, se o Vice-Rei deles der em grito, o nosso pode responder, com cautela, que estamos na nascente do arroio a que alude o tratado. E, rio e arroio nascendo juntos, e paralelos correndo em direção à Mirin, ajudam a nossa vontade e a nossa Coroa. Tomemos conta dessas pradarias que ficam entre essas duas linhas. Não é o que tanto cobiças?... Quem sabe?! Longo tempo e os dois calados. O alferes insistiu: – Que lhe parece, Coronel? O silêncio foi maior enquanto se acomodavam para voltar. Desceram o cerrito. Dois meses depois Guilherme, comandando oitenta e seis soldados, cumprindo ordens do Governador da Capitania, levantava um acampamento numa coxilha onde eram abundantes os ervais. Levara carpinteiros, pedreiros, oleiros, latoeiros, padeiros, víveres, folhas-de-flandres, pregos e ferramentas para o trabalho pesado de construção. Quando a Vila já estava consolidada, o Coronel, ainda Governador, distribuiu terras para seus fiéis soldados, todas do lado direito do arroio grande que nascia nos cerros. Só Guilherme não aceitou dádiva nenhuma. Queria voltar para a sua terra natal nos Açores. Contava quarenta e oito anos, a mesma idade de Rafael Pinto Bandeira quando, em 1788, pegou carona num brigue que levava o Coronel até a Corte de Lisboa. Fizeram escala na Ilha de São Jorge onde Rafael passou uns dias na casa de pedra construída por Wilhelm Van der Hagem, fidalgo de linhagem flamenga, um antepassado do seu Alferes. Na Vila do Topo, de onde saíra para se aventurar na Colônia do Brasil o vaqueano Guilherme da Silveira.

Um comentário:

Anônimo disse...

Aí Arnóbio!
Vez em qdo acompanho a página de AG e o q escreves. Tchê, gstei mto deste "Os vaqueanos".
Me lembrou um conto que escrevi em 1991 - "A Guarda dos Sonhos". Foi um tiro na Lua; com ele entrei num concurso estadual de literatura e tirei 1o. lugar! Prêmio: um mês de viagem com tudo pago em Portugal e Açores (ilhas de São Miguel e Terceira). Dali me fui pra Andaluzia e Marrocos...
Meu conto se passa em cima do Cerro Pelado, na guarda lusitana que Pinto Bandeira ali colocou em 1778. Vou te mandar!
um abraço

PEDRO HENRIQUE CALDAS
(teu incomodativo ex-aluno de Português no Herval)
9161-0369

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