Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Fafá de Belém relança o CD Meu Fado!

TUDO ISTO É FADO - FAFÁ DE BELÉM

OLHOS CASTANHOS - FAFÁ DE BELÉM

Seu Venâncio
Lá pelos idos de 1958 surgiu em nossa cidade um jornal semanal de nome A Tribuna. Era liderado pelo Pedro Jaime Bittencourt (o Eterno), mais o Fernando Martinelli, o André Notari, o Ney e o Lauro Cavalheiro. Naquele tempo os jornais da terra, que eram dois, contando com o A Evolução, lidavam com sérias e distintas dificuldades de ordem financeira. Tanto que, a bem de comprar papel para as rotativas, e cumprimento da obrigação de estar na mão do leitor às sextas-feiras, o Pedro teve de aproveitar como matéria de capa, uma briga envolvendo o Pitico com o Seu Venâncio. A contenda, publicada em três edições, em forma de crônica, tinha a lavra do Seu Venâncio. Foi assim: À época, era Delegado o Herculano Ghan e a D.P. ficava naquela esquina confronte à CEEE, hoje propriedade do Basciri e do Nasser, recentemente QG do Partido Progressista; a redação do semanário estava localizada onde hoje é a Loja da Sinaleira, na calçada defronte à SSMAG, dividindo, na semana de Carnaval, as instalações com a loja A Momolândia, do Conceição. Tudo na mesma calçada do escritório de advocacia do Doutor Aimone Carriconde, que ficava na Visconde de Mauá, na esquina da hoje Farmácia Saúde. Pois - situado o leitor geograficamente -, não tendo o Seu Venâncio encontrado o advogado em seu local de trabalho, dirigiu-se à Delegacia de Polícia; E, justo no caminho onde estava o Pedro, à porta da tipografia, desconsolado por não ter papel para rodar a edição da semana, passa o Seu Venâncio, com um curativo imenso no braço e uma vontade mais imensa ainda de contar o seu infortúnio. Não deu outra... Parou. Contou. O Pedro, ai minina!, nem esperou ele terminar o seu registro. No ligeirão, com o pião já na unha, partiu para o ataque: Que ele Seu Venâncio contasse a desdita numa crônica, como matéria paga, jogando aos quatro cantos do mundo, a agressão do Pitico... Preço acertado saiu a catilinária. Foi ao prelo em três capítulos, nas três edições de 08, 15 e 22 de dezembro de 1959. Os gozadores, aproveitando uma novela radiofônica em que era galã o Amilton Fernandes, na Rádio Farroupilha, chamada o Direito de Nascer, apelidaram a da briga de O Direito de Morder. Eis, copiado ipsis literis, um minúsculo trecho da primeira das três crônicas meio corrigido gramaticalmente, como se vê, por uma boa alma: “ ... Eu disse, tive, fui levar o dinheiro da banha. Ele me respondeu: Lá não se vende banha nenhuma, faz hora que ando te procurando para te dar muito pau. Eu disse: Mas o que é que há, E ele já tira de uma arma branca e levou direito a minha barriga, dizendo: O que há é isto e eu tentei sair fóra, a moda criança, levando a mão direita a arma que ainda-me atingiu a coxa esquerda, um ferimento bastante profundo e com o mínimo de 11c centímetros de comprimento conforme diversos cidadões viram e ainda podem ver, ferindo-me a mão do mesmo lado a respeito do ferimento eu tinha mais argumentos a fazer, mas a pedido de um amigo deixo de faze-lo nesta ocasião. Daí, como ia contando, Deus me ajudou a dar um soco que a arma desapareceu, mas aí ele tentou novamente deixar quatro filhos pequenos sem pai; dando-me uma gravata para me enforcar, mas Deus me ajudou de novo, deu-me. A lembrança de pegalo o braço com uns pedaços de dente que foi toda a minha salvação, pois talves com a dôr ele parou de tentar-me apertando o cogote com os dedos, ocasião em que eu, que não sou de briga soltei-o e nos empurramos um do outro e ele ficou dizendo-me; Tenho que te dar muito. Eu disse: vou dar parte de ti, ordinário, me cortaste e embarquei no auto e vim direito ao Dr. Aimone...”. Como dizia o Seu Ramãozinho, filosofando lá na Liga Operária, espargindo os seus ensinamentos: Assim como são os homens, são as criaturas...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Conto Curto

Eram três irmãos... Chico, Zé e Mário. Éramos mais chegados ao Mário por ser ele frequentador do Café. Isso quando estava na fase de euforia bipolar. Na fase depressiva ele ficava na janela de casa, bem defronte ao Clube do Comércio. Passasse quem passasse e desse seu cumprimento, o Mário nem sequer piscava um olho, não mexia a sobrancelha. Mas, quando saía da depressão... Nossa!!! Falava pelos cotovelos. Ladainha para ouvido nenhum botar defeito. Emendava períodos e mais períodos numa cantilena sem fim. Não era de muito brinquedo. Quando a coisa engrossava para o lado da molecagem ele nos dava um trancasso soltando as patas. Porém no geral era um cara doce. Quando ficava de presidente do Clube deixava a gurizada taluda entrar sem pagar as mensalidades. Era um pai... Circunstância que, inobstante a bondade, não nos impedia de sacanearmos ele: Um dia, dos de euforia, chegou no Café a cavalo. Gaúcho de gosto, mesmo: aperos de prata no pingo reluzente pelo trato do milho, rebenque com talo de prata e ouro, defeito nenhum... Desceu, soltou as rédeas no chão, deixou-o desmaneado. Da vitrine vimos a chegada dele. Entrou já pedindo um cafezinho para o Tritri. Pedi ao Canhada para fazer-lhe uma indagação qualquer que o distraísse e desse tempo de roubar o cavalo para escondê-lo no pátio da Usina Velha. Não era bola de futebol, era cavalo, mas ele deixou a coisa quicando... quicando... Era só dobrar a esquina. Era vapt-vupt e não tinha vivente que perdesse uma oportunidade tão gloriosa. Não deu outra... O ruim de ser o protagonista nessas picardias é que eu não assistia aos desfechos. As coisas nasciam com uma velocidade extrema. Havia um átimo para a realização da molecagem. E, feita, a gente tinha que desaparecer. E não passar na frente do desgraçado por dias. Precaução necessária para que as vítimas, à simples vista da gente, não lhe desse na telha a descoberta duma autoria qualquer. A cidade, por ser pequena, e não nos brindar com os entretenimentos que hoje estão por aí, nos obrigava a ser criativos, mesmo que cáusticas fossem as molecagens. Outra vez, na mesa do Café com o poeta Lauro Machado, o Canhada e o Marta, chegou o Mário que recém descera do ônibus. Dependendo da fase ele aparecia. Vinha de Pelotas. Tinha ido a filha para lá e ele seguiu-a mudando-se para outra cidade. Sem dó da Terra Natal. Sentou numa mesa ao lado da nossa e começou a cantilena dizendo que ia para o peixe... Tia Rosa, Cizica, Marina ou o que viesse... Ia só tomar um cafezinho para depois chamar o carro-de-praça do Oscar ou do Nelson. Alto e bom som dizia que não haveria de ter puta pobre... Já tinha pedido ao Tritri para guardar a malinha quando se lembrou de tirar um lenço: teria a Diva colocado um na mala? Abrindo-a, a primeira coisa que cai: um babeiro. O Beto da Heloísa era de colo, ainda. O babeiro viera no meio das roupas. O Seu Lauro olhou para nós como quem pedisse socorro: Que cena: o assunto era um e o objeto caído da mala outro. Mas bem que podiam entrar num contexto. O Seu Lauro tinha uma ruga em cada canto dos lábios: na expressão do descontentamento as rugas tomavam tristes formas, desciam para o queixo. Nas ocasiões ridículas as mesmas rugas se invertiam e subiam em direção às orelhas. Era fácil ver que ele já tinha intuído uma bobagem qualquer. Só que não seria tão logo ele a implicar com o Mário. Ele o mais velho na mesa. Sobrávamos nós... O Marta, que tinha os olhos para dizer o que pensava nos olhava... Tinha molecagem para dar e vender naquele corpo... Então, só fez uma senha e levantou-se enquanto eu, rodava o babeiro com o dedo indicador esperando a arrumação da malinha. Ía embora o Marta. Da porta, vendo o Mário juntando os últimos mijados para fechar a mala, pediu: - Seu Mário, não se esqueça de trazer o babeiro de volta. E me dê ele de presente, que eu quero usar um, também, quando for no puteiro. E deitou o cabelo...
Os Irreverentes

Deixando de lado os irreverentes da literatura, por serem ficções, guardo lembrança de quatro que foram de carne e osso: O Doutor Chico, o Zé Amaro e o Paulo Brasil do Amaral, todos de Pelotas e, daqui, o João Fernandes, por apelido Marta Rocha. Todos frequentadores do Café Aquarios. O Paulo foi advogado e jornalista. Freguês cativo do antigo Cherri, onde se deliciava, depois do trago, com o famoso Colchão Alemão, que era o carro-chefe da casa. Dias de chuva ele desfilava pela Quinze com uma capa preta com forro de baeta vermelha. Tirava o chapéu Prada para cumprimentar, principalmente os transeuntes femininos. Tinha verve o Paulo. Era amigo dos outros três irreverentes citados. Mas, era mais amigo, do Marta Rocha. O Paulo, quando a Rádio Nacional era o top de linha da comunicação, a rede Globo de hoje, mais famoso meio de comunicação do Rio e do Brasil, forçou uma despedida, com direito a indenização: Certa tarde, encerrando uma programação em que ele era o comunicador, despediu-se do público com uma frase super debochada: E aqui se despede o loirinho mais gostoso do Sul do Brasil... Rá, ré, ri, ró, rua!!!

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Depois, deste, falo no Zé Amaro. Filho da famosa cantora lírica Hervalense, Zola Amaro. Nas andanças pelo mundo, quando a mãe fazia suas temporadas nos grandes teatros europeus, o filho sempre a acompanhava e de cada um desses cantos do mundo trazia os seus conhecimentos. Era extraordinário quando falava. Prendia a atenção dos amigos. O Zé, não sei se poderíamos chamá-lo de rapaz divertido, ou entendido: gostava só de rapazes... Era espirituosíssimo. Pegava o pião na unha, sempre. Poderíamos, também dizer que ele era, como se diz hoje?, Bucha... Era Bucha meter com ele... Na época das ignóbeis ditaduras do Cone Sul, o Zé Amaro passava na calçada defronte ao Aquário, quando ouviu um dos gozadores do Café dar-lhe a pecha de Tupamaro - que era a marca registrada do terrorismo uruguaio. Nem pensou para revidar: Virando-se para trás, com o dedo sentenciando o gracioso que lançara o apelido, soltou sua graça: Tupamaro, não. Puto Amaro, Tá??? Outra vez, caçando na Praça Pedro Osório, naquele cantinho dos laguinhos, das carpas vermelhas, onde nasce a Butuí, foi surpreendido por uma batida policial à prostituição. Fugindo, subiu num frondoso jacarandá que até hoje existe, e tá lá de prova... O brigadiano, perdendo a paciência, àquelas alturas, brandindo um cassetete vituperava: - Se tu não desceres daí, te baixo a pau... O Zé Amaro, nas alturas respondeu: - Calma, Seu guarda! Não vê que eu sou fruta?... Espera que eu amadureça e caia... Era de morte! Dele, também, outra: Caçava ele um garoto de programa, na época chamados de michés, e acertavam o contrato verbal de prestação de serviços. Difícil se acertarem no preço!!! O bolso do Zé Amaro não tinha mais que uns trocados. Mal davam para comprar uma porção de loló. O moço estava renitente. O Zé, cargoso, soltava lábia pra cima do miché. - Tudo bem, disse o garoto. Por essa mixaria eu vou, mas só boto a cabecinha... Mais que isso só vendo os pilas na mão. Senão, não... E se foram para o banheiro do Aquários... Pois, em dado momento, um cliente estouvado abre a porta, porta de banheiro, privada ou patente só abre prá dentro. Segurança é isso... Pois, como dizia, o cara abriu a porta e deu um safanão na bunda do guri. Minha Mãe de Deus!!! Ah! Se a coisa tivesse ombro, não vinha tanta gente ao mundo... O Guri afogou o ganso até a cola. O que não estava no trato... O Zé Amaro, espirituoso e correto com o garoto só teve a saída de dizer: - Tô endividado pro resto da vida!!!

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Outro irreverente impagável foi o Doutor Chico. Os pelotenses que o digam. Eles o conheceram bem. Tratava as gonorreias de estudantes da Agro e da Técnica sempre sem cobrar nada. E ainda não os deixava ir embora sem as amostras grátis de remédio. Consulta e remédio nunca faltou para guri engalicado enquanto o Doutor Chico prestou seus serviços médicos. Só tinha uma coisa. O estudante entrava pela porta, mas saía pela janela. Depois da consulta ele dizia, abrindo a janela do escritório: - Agora, pula prá calçada que eu te alcanço os remédios... E vê se te cuidas mais desses cavalos de crista, Seu Safado. E dizia com um prazer e um carinho desmedido quando tratava os guris. Quando a Aidil matou o Zé Correia, no consultório deste, nos altos do Itatiaia, ninguém ficou dentro do Aquário. Todo mundo dando fé dali da calçada do Café. Com os populares assistia à movimentação policial o Doutor Chico. Depois, de tudo dado fé, dirigiu-se para o seu consultório, a poucas quadras dali, na Voluntários. Chegando, já atrasado no escritório, por força das circunstâncias, antes de atender a clientela, despejou num canto da sala de espera tudo que tinha dentro da bolsa duma cliente. No outro canto, abriu outra bolsa de mulher e despejou tudo no chão. Depois deu a desculpa: -Não me entram aqui dentro mulheres sem que eu reviste as bolsas... Vocês tão matando os homens...O Doutor Chico era daqueles médicos de família. Coisa rara hoje em dia. Sabia curar, também! A uma cliente muito idosa que ele tratava desde a sua formatura como médico, ele curou um reumatismo e paraplegia só com susto. Que nem soluço: A idosa, chamou o Doutor Chico em sua residência. Entrevada que estava, há dias, cheia de dores reumáticas... Não deu outra. Ele entrou no quarto da velhinha, fechou a porta, deu uma volta na chave. Ela só olhando... O Doutor aprochegou-se de uma cadeira à beira da cama. Sentou e tirou os sapatos. Ato contínuo, levantou as cobertas e vapt! Se tapou... A doente, mesmo com o ossamento carcomido saltou da cama e deitou o cabelo em direção à porta. Cruz! Credo! Que louco! Mas melhorou da paraplegia instantaneamente...

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Por fim, a irreverente cria da casa: o João Fernandes. Quando menino, numa noite de jogo de pôquer no antigo Clube Instrução e Recreio, época em que dávamos valor desmerecido aos concursos de misses, o José Karan, médico conceituado na cidade, deu-lhe o apelido que ele carregou até os fins de seus dias: Marta Rocha. O Marta era um mocinho de dezesseis anos e trabalhava como garçon no restaurante do clube. O Karan pediu um sanduíche ou outra coisa qualquer e, ao ser servido, com as cartas na mão, olhou para o João e soltou a exclamação: Tche! Como tu és parecido com a Marta Rocha... A miss estava em alta. Recém tinha perdido o título de Miss Universo por ter duas polegadas a mais nas coxas. O apelido pegou e ele nem se importou com ele. Era a irreverência da irreverência cultivar o apelido. Rapazote, ainda, trabalhou de secretário do Doutor Aimone Carriconde. Distanciaram-se por questões políticas. O Marta bebeu desmedidamente até morrer, precocemente, com trinta e cinco anos... Era inteligente. Tinha memória fotográfica. Uma vez o Getúlio Dias escreveu um poema, na mesa do Bar do Élvio, e o João passou os olhos por cima dele. Em seguida, quando pediram para o Getúlio ler o que escrevera - parece que era um soneto -, o Marta disse: Quié isso Getúlio... Isso fui eu que fiz... Tu me roubaste um poema? E recitou-o inteirinho, a título de molecagem, deixando o poeta num papel de impostor. E boquiaberto pelo plágio. Discursos políticos, então, dava gosto escutar um comício junto ao Marta. Orador que ela já tivesse escutado em comício anterior, ele dizia antes do político as palavras que sairiam da boca deles...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Fragmentos de uma correspondência amorosa

Vamos dar ao amigo o nome de Semildo, ou “S”, simplesmente. Ao menos não conheço ninguém com esse nome o que já é uma grande chance de não ter uma futura dor de cabeça. Já que estou tatuado de tanto que me cascotearam nesta terra do Irineuzinho – merecido fruto desta minha incorrigível irreverência. Pois, quando S. se apaixonou pela L., a Lúcia, a maravilhosa Lúcia, daquelas eras, lá da vizinhança da Voz Rural, ou Voz do Pau, como eram conhecidos os alto-falantes que tinham seu endereço na saudosa Sete Portas, nós fomos testemunhas do seu calvário. Tudo começou numa quermesse dos quartanistas do Ginásio, lá no Depósito do Engenho do Seu Daciano. Primeiro, S. mandou prender L. na cadeia que ficava ao lado do bar. Ali, ora levando as mãos ao rosto, ora pondo as mãos na cintura, com toda aquela vaidade peculiar à sua adolescência, a L, curiosa, queria saber qual o admirador que lhe pregara aquela peça. Logo, logo, a própria carcereira, quando a soltava das grades, levou-lhe um telegrama do S. que dizia: “Vidinha. Meu eterno amor nesta noite primaveril cresce desmedidamente no meu coração. S.” Durante aquela noite foram incontáveis os telegramas que L. recebeu do seu desconhecido apaixonado. Nenhum deles conseguiu, apesar da sua curiosidade, da insistência em perguntar à mensageira quem lhe cortejava, revelar o nome do jovem apaixonado. Passaram-se os dias, as semanas, os meses, e o nosso amigo S. resolveu apelar para os amigos. Buscava ideias, luzes, caminhos que levassem seu amor, com um nome, até sua musa. Amor infinito e sufocado no anonimato... Inda mais, ter que esperar uma próxima quermesse, coisa que ninguém merecia. Foi desta forma, numa mesa do Café, sempre à hora santa da Ave-Maria, que nós, seus amigos, estudávamos uma maneira de ajudá-lo. E, neste mister, a única ideia que nos ocorria era uma bem elaborada e romântica carta que nos propusemos a redigir em socorro dele, S., o apaixonado. A princípio, para sua apreciação, listamos o que poderia ele dizer como tratamento, para o caudal das primeiras e melosas linhas: “Minha Amada!”, “Nobilíssima estudante!”, “Meu amor!”, “Meu único amor!”, “Inesquecível L.!”, “Grande amor da minha vida!”, “Vida minha!”, “Dona do meu destino!”, “Prezada jovem!”, “Meu amor e meu sonho!”, “Riqueza da minha alma!”, “Luz dos meus olhos!”, “Alegrias do meu coração!”, “Minha grande paixão!”, “Meu grande sonho!”, “Adorada L.!”, “Sacerdotisa do meu amor!”. “Minha querida!”, “L., querida!”, “Deusa minha!”, “Minha primavera!”, “Primavera do meu coração!”, “Mimosa flor!”, “Meu anjo!”, “Formosa senhorita!”, “Querida L.!”, “Carinhosa L.!”, “Meu lírio branco!”, “Felicidade minha!”, “Meu coração!”, “Querida amiguinha!”, “Único amor da minha vida!”, “Meu imenso amor!”, “Minha fada!”, “L. queridíssima!”, e por aí ía a nossa modesta contribuição. Aliás, tarefa que nos levou muitas tardes, e muitos martelinhos de vodka com bolo de carne da Maria Umbelina. Vai daí, certa tarde, S. entrando no Café, numa alegria pueril, nos deu uma boa nova: Já se decidira. Escolhera um início para a sua declaração de amor pelos alto-falantes da Voz Rural, na voz do saudoso Sérgio Chaves, desde as antigas dependências do Bar Honra e Glória, aos quatro cantos do mundo: “Atenção jovem da esquina...’! Quando penso em te escrever, não sei como começar. As emoções atropelam-se em minha alma e eu, entre mil palavras não encontro uma que traduza a festa do meu coração...” Era o amor! Era não, É, ainda. Daquela mesa de escribas do Café foi ele o único que casou com quem queria... Mais, dá gosto vê-los, de mãos dadas, diariamente, fazendo as caminhadas matinais.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Caro Juninho

Creio que a mensagem recebida pelo nosso amigo, ontem, em que dizes ser ele incomparável, tem sua gênese numa janta no segundo piso do Clube do Comércio. Sentei à mesa contigo e a Verônica. Vocês, lembro bem, ficaram de costas para as mesas onde colocariam o buffett. Lá pelas tantas, eu, de lado, apreciava a chegada dos acepipes que estavam sendo postos à mesa. Já o nosso incomparável amigo J.A., para seu deleite, estava de cara com uma incalculável quantidade de travessas, pratos, e tinha chegado a hora de nos servirmos daquele verdadeiro banquete. Lembras? Foi aí que começou a bobagem: Não lembro qual de nós começou a série de adjetivos que aplicávamos ao amigo. Depois eu prometi que aumentaria a série. Pois bem, além de incomparável, creio que ele era também afável, amável, incurável, indomável, durável, louvável, inegável, notável; e, de certa forma, pecável, embora nunca palpável, visto que a ocasião não se apresentava viável. Provável, até, penetrável, não no momento já que este, como já disse, era altamente sociável. À mesa, depois, constatamos que o amigo não era vegetável pela forma como atacou o churrasco e o assado de leitão. Mas, foi considerável a sua performance: insaciável, potável, inabalável, impecável e indomável; indecifrável, deleitável, incalculável, inatacável e como se constatou, um gourmand apreciável, ademais de incobrável. Creio não estar exagerando ao traçar um perfil tão saudável de um amigo não menos inimaginável e inexorável... Respeitável e incontestável prócer citadino: inseparável, irrecusável, recomendável, responsável, inesgotável, inevitável, sempre presenciável, suportável, disciplinável, venerável e de todo adorável. Poderíamos, já que achas ele imaterial, acrescentar outros atributos sem nos afastarmos dos sufixos que tão bem se prestam para cobrir figura tão indispensável. Dizer que ele é indomável, seria pouco. Não resta dúvida termos como amigo um cidadão namorável, pelo que elas dizem... Inescrutável, também. Irremediável, irrecusável, memorável, ponderável, inalcançável, estimável, tolerável, consolável, insuperável, inseparável (ao mesmo tempo beatificável com cara de separável – ele tem hora para chegar em casa, etc... E tal...), ponderável, perdurável, observável, razoável, indeletatável (aqui um neologismo), insondável, invariável e incomensurável. Vimos, depois, após os birinaites, que ele se mostrou quase inflamável. Impagável como disseste. Indeclinável, de estômago às raias do interminável e impermeável e inacabável e insaciável. Inconsolável, quando já não cabia mais nada no seu memorável ser. Mas, se isto fosse tudo, seria pouco, pois, o imaterial e agradável amigo não deixa de ser, ainda, apreciável e formidável quando nos brinda com a sua companhia. Será ele instável, mudável, implacável, inimitável, inexplicável por ser imaterial? Ou será ele investigável, invulnerável, inalterável por ser violável. Pô, Juninho, realmente o J.A. é imensurável... Isso, sem qualifica-lo, no nosso jargão profissional, como um grande amigo impenhorável, inalienável, mas comunicável... Abraço incomensurável do simploriável Arnóbio.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Os Cafés
Para o Juca Ramos da Silveira
Por aqui eles se chamaram por vários nomes de fantasia: Café do Ticató, Marrocos, Capri, Café do Sadi, Central, Atlântida, apenas para consignar algumas designações. Foram famosos os do Manoel Português, de nome Marrocos e o do Tritri, cujo nome não me vem à memória. Sei, de me contarem, evidentemente, que o prédio onde todos eles funcionaram teve existência graças ao Dr. Hélio Mariante, abastado pecuarista, figura apaixonada pela nossa terra, pelas nossas coisas e pelo cotidiano da cidade. Foi numa gestão dele como presidente da Sociedade Rural que nasceu a ideia de construir um prédio de dois pisos: no segundo andar a Sociedade Rural e, no térreo, um grande salão próprio para comércio. Mesas com tampo de mármore, um vasto balcão e, segundo a lenda, ao ecônomo do Café, o aluguel era simbólico: resumia-se a conservar o prédio, apenas. Não, apenas, não. Havia como trato de honra uma incumbência: nada de ir perguntar a um frequentador que sentasse a uma mesa se ele precisava de alguma coisa. Havia garçom para observar os sinais de pedidos de cafezinhos, ou outra bebida qualquer. Em resumo, frequentador assíduo podia sentar e o ecônomo ou o garçom estavam dispensados da célebre pergunta: - O que o senhor vai querer? Sentar às mesas era apenas para conversar e trocar ideias. Discutir turfe, futebol, política, ou qualquer coisa, ou nada. Chegar, sentar, e ali ficar a divagar sem ser importunado para que gastasse. Sentar e ficar ali (se quisesse), o dia todo, da manhã à noite. Belo gesto o do Doutor Hélio! Beneficiando a todos fizera um Café praticamente á sua custa, para o seu deleite e o das pessoas que ele gostava de ver desfilar pelas mesas. Bela figura o Doutor Hélio: secarrão, pouca conversa, eternamente pensativo... Transparecia ser a figura mais cheia do mundo. Aparência, apenas. Por dentro um cidadão bom de papo, fino trato, um gozador entre tantos a frequentar diariamente o convívio daquelas mesas. Moços, nós, tínhamos um respeito reverencial pelo Doutor Hélio. Já um colega que era mal educado, arrastava propositalmente a cadeira ao sentar-se, se pudesse arrotava alto e, alto, também, soltava traques. Pedíamos que ele não se comportasse desse jeito. Que ele respeitasse os frequentadores, principalmente quando estivesse presente o Doutor Hélio. Isto, entrava dia e saía dia, o colega repetia seus maus costumes sem dar-nos ouvidos. Mas, quis o destino, certa feita, que este colega montasse um escritório rural para remates de gado em geral. Instalado o escritório, que faz história até os dias atuais, buscava o nosso amigo e novo comerciante por clientes nos anúncios publicitários, no tête-a tête, nas boas recomendações dos pecuaristas locais. Enfim, sonhava com o sucesso de sua empreitada enquanto nós, seus amigos, ficávamos na torcida também. Num belo dia, estávamos à mesa do Café quando, recém chegando o nosso amigo, antes de vir sentar-se conosco, ouvimos o Doutor Hélio dirigir-se a ele: - Guri! Vem aqui... De pronto pensamos nalgum sermão, pelos seus maus modos – o que ele bem merecia... Nada disso: – Olha - disse o Doutor Hélio -, quando fizeres a primeira feira, vem falar comigo que eu vou vender uns bois no teu escritório. E, rematou: - Não negocio gado em feiras que não seja com gente daqui... É tapa com luvas, que se diz?

sábado, 22 de outubro de 2011

Meus Tipos

Hoje, lendo Thiago de Mello, mais precisamente o livro A Lenda da Rosa, dei com os costados num poema e dele transcrevo um excerto: ... – E para sempre – entre os homens,/ a sina do amor é dar-se/ inteiro e cada vez mais/ reflorindo de si mesmo,/ para florescer no além,/ não importa que esse amor/ seja abraçado ou magoado./ Nenhum amor é perdido. Ora!, vô e vó, pai e mãe, filhos, irmã(o)s, namorada(o)s, companheira(o)s, amiga(o)s, todos fazem parte desse rol de amores que tocam e embelezam a nossa vida. No geral, temos todos, alguém que amamos, que nos ama; que amamos e não nos ama e, sabe-se que existe, e disso não temos culpa, alguém que nos ama e nós nem sabemos... Enfim, o tema é atraente e triste dependendo do tipo, do gênero, da espécie – sabe-se lá se o amor tem tipo, espécie ou gênero ... Mas, aqui e agora, como dizia aquele famoso guru da nossa geração, o Aldous Huxley,na sua A Ilha, me vem à lembrança três figuras pitorescas que tenho quase certeza, não conheceram o amor. Nós, os velhos do aqui e agora, ainda trazemos nas retinas cansadas as figuras pitorescas da Madinha, do Alvim Caminhão e do João Barbela. Todos chamavam a nossa atenção por terem parecenças. Coisas em comum, muitas coisas em comum, até. Nenhuma delas foi vista um dia com um alguém. Nenhuma sabia ler ou escrever e, quando se comunicavam, não íam além da construção de frases com quatro ou cinco palavras. Nem conseguiam entabular uma conversa que passasse de duas frases e, neste caso, nenhuma delas com sujeito e predicado. A primeira figura morava com o casal da Dona Celina e o Seu Idílio. Ele era cobrador de mensalidades dos nossos clubes sociais e sua mulher lavava roupa de moradores prósperos. A Madinha era a entregadora das roupas e, neste afazer, com muitas trouxas de roupa equilibradas na cabeça atravessou a cidade. Baixinha, calada, alegre e sempre sorrindo, talvez por não ter tido inteligência suficiente para dar um bom-dia ou um cumprimento, por mais simples que fosse. E todos a cumprimentavam à passagem que era sempre pelo meio da rua, nunca pelas calçadas. Outra figura, com características quase idênticas: o Seu Alvim, que era maleiro na Estação Rodoviária e entregador de encomendas. Poucas palavras faziam parte do seu vocabulário, tinha uma imensa dificuldade na construção de frases e perguntava ou respondia aos interlocutores através de monossílabos. Dele já falamos quando traçamos um pequeno perfil e o seu relacionamento com a comunidade. Dificilmente pelas calçadas. Sempre o meio da rua... Outra figura foi a do João Barbela. Tinha ele uma pequena carroça com rodas de ferro e a usava para fazer pequenos carretos, carregando lenha, malas - quando eram muitas e o Seu Alvim não dava conta -, enfim, coisas como comprar e revender garrafas vazias em depósitos de bebidas para receber uma changa. Lembro que o calçado comum deles eram sapatos velhos que usavam em forma de chinelos, sempre maiores que os pés, acalcanhados, rotos. Ainda, por coincidência maior, nunca se viu um deles sequer, entrar em casa por uma porta da frente. Sempre, intermitentemente, às chegadas ou saídas, faziam uso dos portões das suas casas. A Madinha, entrava e saía por um portão que havia no terreno da casa do Seu Idílio, na Rua Gomercindo Saraiva, sítio onde vivia esta família que a acolhera. O Seu Alvim entrava e saía na residência que o acolhia por um portão que dava entrada de serviço ao Hotel do seu Chico Bonneau, pela Rua Visconde de Mauá, hoje avenida. E, por fim, sempre entrando e saindo por um portão, junto com a sua carrocinha, o João Barbela, que morava com o Seu Marcelino, proprietário da Fármácia Maciel. O portão ficava na Rua Zeca Maciel, defronte à Liga Operária. O portão sempre foi uma tônica na vida destes que eu chamo carinhosamente de Meus Tipos e que povoam a minha lembrança. Quem lembra deles? Teriam eles amado alguém? Foram amados? Chegaram a se declarar a alguém? Viveram e morreram com algum amor incubado. Ah! Falem baixinho... Se forem falar de amor... Aqui deste alpendre, lá ao oeste, no encordoado das coxilhas, o sol cai nos braços da noite. A Madinha, o Alvim e o Barbela nunca caíram nos braços de ninguém? Nem nunca amaram?

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Meus tipos

O Gilberto Alves foi uma das pessoas mais alegres e brincalhonas que conheci. Era funileiro e latoeiro naqueles tempos em que o plástico ainda não tinha invadido nossas vidas. Canecas, bacias, calhas e uma série de objetos, que hoje encontramos em matéria plástica nas prateleiras das lojas, saíam de suas mãos, em folha de flandres ou zinco, com um perfeccionismo impressionante. O Gilberto era mais conhecido pelo seu apelido de Picão. Sempre tinha uma história engraçada para contar e quando a iniciava, já sorrindo, preparava a gente para o seu desfecho hilário. Mesmo quando um causo merecia seriedade ele inseria, sério evidentemente, aquela graça que cativava os ouvintes. Figuraça. Um desenho... Nas suas histórias, quando os olhinhos brilhavam, podíamos esperar que vinha chumbo, e do grosso... Foi um dos melhores amigos do Papaco Velho. Juntos aprontaram à vontade e cultivaram a irreverência por esta terra do Irineuzinho. Desses dois, uma das simploriedades que mais apreciávamos era um ajudando o outro a relembrar as comemorações pelo fim da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente o discurso do Seu Miguel Aliodes. Contava o Picão que, quando noticiaram a Paz, o povo foi para as ruas fazer o carnaval de sempre. Justo nesse dia, o 14 de agosto, o Prefeito Mário Correa inaugurava um gerador a diesel na Usina. E foi depois de cortar a fita que o povo se manifestou, num púlpito colocado na esquina sextavada do prédio. O Seu Miguel, que era desembaraçado para qualquer coisa, pediu a palavra e lascou um discurso: Quando Mussussolini (o Duce) invadiu a Missisalbânia (Abissínia), em el año de mil ciento e siete... Nesta altura da louvação havia a intervenção do Papaco para dizer que, fazendo as contas direitinho, havia um erro de data de oitocentos e tantos anos. Mas, o discurso inflamado prosseguia: Em esta hora, em esta hora, yo quisiera ser la gran cachorra de la Inglaterra para pisotear los alemanes y para dar una mordida no calcanhar del Japon... E se entusiasmava o Seu Miguel exibindo a sua careca: Yo quisiera... Yo quisiera... Do jeito que discursava ele deixou a bola quicando, quicando... Quando repetiu Yo quisiera... pela terceira vez, lá do fundão, sabe? O castelhano Espanton, entrando de gaiato completou:Uma peluca hermosa... E detonou o célebre discurso que ficou gravado, até então, na oralidade, como uma das mais bonitas peças do anedotário da nossa aldeia.

domingo, 16 de outubro de 2011

Meu Diário.


Por que ninguém entendeu aquele meu devaneio de dias atrás? Teria sido uma infeliz referência inspirada naquelas andorinhas do Becquer e que acabou alojada no diário do Gogol? Uma navegada que começou com a leitura de um poema do Byron e escorregou para os versos e as rezas do Michael Quoist? Ou foi a lembrança daquela quermesse... Lá no Porão do Colégio das Irmãs. Lá em cima, na Coxilha do Fogo. Foi. Recordo aquele telegrama todo carinhoso que mandei. Falava da minha admiração e citava o Roberto Carlos. Também, pudera... Ele era a coqueluche da época e a música que dediquei falava em me aquecer no inverno. E qual foi a resposta? Qual foi? Que eu fosse junto com o tudo mais para o inferno. Ah! Mas eu continuei insistindo, naquela noite. E, não contente com o fora que estava levando, paguei para prendê-la. Vi que passava algemada para a cela e que seu sorriso tentava adivinhar quem era o seu algoz. Depois, eu mesmo, ante o medo que outro admirador se aproveitasse do ensejo e a tirasse da cela - quem tem, tem medo... - paguei pela sua liberdade. Voltou para a mesa onde estava, ao lado da minha. De costas um para o outro e eu ouvindo os comentários. Ela, querendo saber quem era o admirador secreto. Eu, fazendo conta de cabeça. No recinto havia um alto-falante, lembram? Não? Também, faz tanto tempo! Tanto... Foi quando eu resolvi mudar de tática. Afinal, na conquista, mesmo o exagero se torna mínimo. E eu, tendo que ousar ao máximo, sob pena de me arrepender, se não o fizesse, apelei para uma dedicatória. Música italiana... Não, não foi Se piangi, se ridi. Não foi essa, não. Essa eu guardo até hoje, inédita, sem ter tido a oportunidade de usá-la... Teria sido Roberta? Ou Non ho l’età? Lembrei!!! Foi Al di là, do Perícola, cantada pelo Jerry Adriani. Sei, sei, ela também me arrepia. Até hoje me arrepia... Três vezes o alto-falante anunciou: para a moça de tubinho azul calípso, com o maior carinho... Agora, vêem no que deu? Não há mais quermesses, não se prende nem se dedica música por alto-falantes e não há mais telegramas - nem os de verdade, os dos Correios e Telégrafos. A ingenuidade, junto com a quermesse e o vestido tubinho, morreu há séculos... Mas ela, com todo o respeito, continua deslumbrante quando caminha pela Doutor Monteiro. Ma-ra-vi-lho-sa!!!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Dona Margarida

Uma das lembranças mais marcantes que carrego comigo é a pessoa da Dona Margarida. Dona Margarida dos Gansos, por apelido, pela quantidade destas aves que ela criava, soltas, a campo, como se diz. Defronte à sua moradia (a crase eu pus por implicância), numa das esquinas, a Casa de Cômodos, ou puteiro - como queiram - do Zé Cavalieri, que além de proxeneta também era alfaiate; noutra, a casa da Dona Menininha, que vendia lenha. Todos vizinhos. A Dona Margarida tinha dois filhos: o Leandro e o Pajá. O primeiro morreu quando eu ainda era menino, não guardei uma lembrança clara dele, mas, o outro, até bem pouco existia e foi figura folclórica e benquista na cidade. Lembro, como se fosse hoje, das orações que ela fazia nas suas benzeduras para cobreiros, verrugas, conquistar amores inatingíveis, andaços e dor de dente, entre tantas. Muitas vezes fui à sua casa (vou por crase antes do pronome para continuar inticando com os versados no vernáculo) em busca de uma benzedura para a espinhela caída. Depois de curado, em retribuição, como paga ao restabelecimento, levava um maço de cigarros Havaii ou Tufuma, já que ela não cobrava dinheiro e só recebia presentes. Vale dizer que eu sempre melhorava com as suas rezas. Quando a benzedura era para a espinhela caída ela media a gente com um barbante. Era assim que ela estudava seus pacientes: se a extensão que existia da ponta de um ombro ao outro não conferia com a medida da ponta do dedo mínimo até o cotovelo, a espinhela estava caída. Para a cura ela fazia diferentes orações de acordo com cada estágio da doença, e que dependiam da gravidade do caso. Havia horário para as benzeduras e todas eram sempre de dia, antes do sol se por. Mandava a gente segurar um objeto de ferro para começar a lamúria: - Espinhela caída, ventre derrubado, eu te ergo, eu te curo, eu te saro, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, da espinhela caída estás curado! Certa vez, ela me mandou embora sem benzer a espinhela por que as extensões ombro a ombro e ponta do dedo mindinho ao cotovelo estavam iguais. Ela achava que era quebrante. Falha humana, dela... Eu bem que sabia o que era... Dessa tiriça só fui me curando depois que mudamos de casa - para bem longe da vizinha mais gostosa que já tive! Foi por esta época que nasceram os meus primeiros e rudimentares conhecimentos de medicina: Que o choque anafilático de vizinha boa com adolescente é um veneno para a espinhela... Para o quebrante, então, é um porrete... Mas, me curei, Graças ao Bom Deus! Não sem antes muitíssimas colheres diárias de Wa-Ka-Mo-To e óleo de capincho no feijão. Coisa braba, guris, é ter a idade do macaco!!! Depois, só voltei na Dona Margarida quando tive azia pela primeira vez. Sempre foi tiro, e queda: agulha, linha, um pedacinho de pano, o Espírito Santo... Costurando enquanto lamuriava baixinho a reza. Enquanto ela viveu, nunca mais tive azia. Das simpatias, para ser correspondido pela amada, lembro uma que ela fez especialmente para mim: Três penas de qualquer passarinho, três pétalas de rosa de qualquer cor, bem embrulhadas em um papel branco. Carregar trocando sempre de bolsos por sete dias. Interessante que este amuleto eu o encontrei dia desses, sem uso, ainda, novinho em folha (ou em pétalas), dentro de uma gramática de latim que eu não abria há quarenta e tantos anos. Acho que ele não faz mais efeito... Sei não... Vou guardá-lo para alguma precisão. Quem sabe?... Dizem que velhos são os anos! (2011, outubro, Dia da Criança)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Hino do RS - Nunca vi tantos ga�chos juntos tocando o nosso hino (tudo cola-fina)

Bergamotas & Colas Finas
Para o Júlio Quevedo

Enaltecidos os feitos farroupilhas, ao troco de muita gineteada e fumaça, recomeça o reinado dos colas finas. Saem a bota, a bombacha e o chapéu para dar lugar ao tênis, à calça jeans e ao boné. E, mais um ano passará sem que o gaúcho se pilche de cultura para descobrir quem verdadeiramente ele foi. Mas, mesmo assim, valeu. Valeu por que nossas festas, a cada ano que passa, se apresentam mais bonitas e mais emocionantes. No entanto, de tudo isso, fica uma indagação: O que é mesmo ser gaúcho? Eu, por exemplo, que nunca usei botas, ou bombachas, sou mais, ou sou menos gaúcho? Naquele início de festejos, quando as autoridades estavam todas pilchadas, e assistíamos à abertura da semana com a nossa roupa de sempre, éramos todos gaúchos? E aquele amigo à cola fina, cantando o hino riograndense, tão bem vestido naquela hora, no meio da gauchada? Seria por causa da roupa menos gaúcho? Não, certamente para mim, não. Até por que canso de vê-lo no trabalho de botas embarradas, bombacha bostiada, laçando, curando bicheira, dando sal ao gado, tropeando e tudo o mais fazendo na sua profissão de criador. Decerto, por inversão de valores, justo ele, o único verdadeiro gaúcho ali, despilchado, não estava sendo visto pelos seus pares com bons olhos. Afinal... Mas, e aquele guri de brinco? Será que ele preferiu não se pilchar só para não tirar o brinco? Ora, quem diria que chegariam ao ponto de hostilizar quem usasse brincos. No entanto, o gaúcho de antigamente usava brinco, era sujo, descalço, borracho, barba sempre por fazer e não usava roupa por baixo do poncho. Nossos primeiros gaúchos, estão aí os escritos, tinham vida errante, peleavam por um dá cá aquela palha, eram em sua maioria bastardos, párias, sem compromisso com nada e geralmente vagabundos. Para quem quiser checar estas linhas estão aí Paixão Cortes, Barbosa Lessa, Sérgius Gonzaga, entre os nossos. Fernando O. Assunção, Saint Hillaire, Felix de Azara, Nicolau Dreys, entre os de fora.

domingo, 9 de outubro de 2011

Devolvi - Núbia Lafayette e Nelson Gonçalves

Quem é de quem?

Esta crônica, desde já aviso, há de ser interativa. Os leitores estão, pois, convidados a ampliá-la. O título? Ora, quem não sabe. Somos sempre de alguém, sempre. Quando não de algo. Gente que é de gente, lugar que é de lugar, qualquer coisa que é de alguém ou alguém que é de qualquer coisa, enfim... Principalmente morando na cidade do Adão da Cizica, que morou na Coxilha do Fogo, defronte ao campinho onde pastava o Cavalo do Graúdo. Sim, quantos de nós cruzamos a Rua da Morocha ou zombamos do Basílio da Bicicleta, quando se engraxava? A lista é grande e sozinho eu não dou cabo dela. Preciso urgentemente de uma mãozinha e sei que haverá interessados pela tarefa de embelezá-la. Vamos lá, você que não quer esquecer quem é de quem, nesta província. Lembra do Censinho do Euzébio, do Jadir do Menandro, do Dário da Célia, do João do Pereca, do Adão da Cizica, da Lota do Budanha, do João do Vida, do Gilberto da Tica, do Jesus da Dércia, do Toninho do Agripino, do Gilberto do Ataídes, do Valter do Hernandez, do Adão do Oscar, do João do Cantalício, do Sérgio do Venâncio, do Gordo do Jacinto, do Jorge do Fueed, do Chico da Carrucha, da Dininha do Maneca, do Boró do Graúdo, do Adão da Pepita, do Zé do Julião, da Piola do Ondino, da Pepa do Hernandez, do Zé da Coxilha, da Piola do Ondino, do Adão do Mário, do Lulu da Tetéia, do Darci do Lino, do Paleca do Dega, do João do Diquide, do Paulo do Picão, do Sérgio da Judite, do Luís do Lindinho, do João do Tuca, da Noêmia do Deca, do Dega do Oscar, do João da Colota. Tudo tem dono, ou tinha, nesta terrinha. Já vi uma menina dizer que tinha uma amiga que trabalhava de babá na Rua do Maneca, aquela que passava também na Escolinha da Atília. O pai dela era um homem que tinha oficina na Rua do Vinte, a que passava no Buraco Quente. E por aí seguia a explicação que só prestava para aumentar mais a imaginação. Temos, também, coisas que são de lugares: Cancha dos Bonneaus, Vila da Palha, Chácara do Aquilino, Granja dos Conceição, Depósito do Amarilho, Terreira do Tanajara, Hotel do Zoca, Avenida do Amor, Cancha do Branco. Gente que é de coisa e coisa que é de gente: Paulinho do Engenho, Caminhão do Antônio, Luís dos Burros, Macaco do Ernesto ou a Égua do Bidoca. Socorro!

sábado, 8 de outubro de 2011

Tirando de letra...

Nossa amiga, graças à grande amizade que mantemos, liberou esta história para ser contada. Sem nomes, é claro! - Coisas que só acontecem comigo... – dizia ela. Mas, vá! Já estando ela em idade provecta, mesmo assim, não pára de ganhar afilhados. Agora, que não os cria mais, eles rondam a sua casa, aparecem em busca de carinho. Às vezes se oferecem para algum serviço de varrer o pátio, ou um mandalete até o mercadinho, coisas desse tipo. Em suma, dum jeito ou de outro eles borboleteiam à sua volta. Tanto borboleteiam que, dia desses, um dos mais velhos dos seus afilhados bate à porta de sua casa em busca de um favor. Vinha aflito e a razão de seu estado estava nas frases de um bilhete escrito em folha de caderno. Chegara á casa e não encontrou viv’alma. Da mulher nem rastro... Só um inusitado bilhete cujas letras, não tendo ele aprendido a acolherar, o obrigavam a comer pela mão dos outros. E, para estes casos, ninguém melhor para ele que a sua querida madrinha. Ela lhe diria, certamente, com o maior prazer do mundo, o que estava escrito naquela folha deixada no criado mudo do quarto. Foi, pois, com esse intuito que o afilhado foi ter com sua protetora. E o bilhete, em silêncio, evidentemente, foi lido: “ – Cansei... – estava escrito. - Não agüento mais viver ao teu lado. Fui morar com aquele teu primo. Aquele que tinhas ciúmes, lembras? Ele é bem cheirosinho e delicado. Muito diferente de ti, que não me dás a importância que mereço. E, além de tudo, não suporto mais esse cheiro de fumaça, de rancho com lenha ardida em fogão que tu tens... Adeus, nunca mais... Não espera por mim... Me esquece...” Tendo lido e relido o conteúdo do bilhete, a madrinha, embasbacada com aquela folha de papel na mão, não sabia o que dizer ao afilhado. Longos segundos se passaram enquanto os olhinhos do infeliz a olhavam curiosos, aguardando o fim da leitura. – Olha – diz a madrinha, por fim. – Acho que tu não deves te preocupar. Tua mulher deixou dito que foi passar o fim de semana com a tia dela, em Pelotas. Deixou comida na geladeira. É só aquecer. Diz que segunda-feira, ou terça, estará de volta. Deixou beijos e abraços. Nesta altura dos acontecimentos a madrinha, fazendo tempo enquanto pensava no que mais dizer ao afilhado, completou a leitura do bilhete: Ah! Ela botou aqui que não quer ver a cozinha suja quando chegar, nem a casa desarrumada... Por fim, dobrou o bilhete, bem devagarzinho - sabe lá no que ia dar aquele imbróglio! - e colocou-o na bolsa, por precaução... Madrinha é para essas coisas!... - Não é mesmo, minha amiga?

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Nostalgia

Por acaso, tu lembras que se ouvia muito, desde os alto-falantes do Cine Marabá, aquela música que o Agustín Lara compôs para a Maria Félix? Bem, para a Maria Félix ele compôs muito, mas, a que ainda mexe com a minha lembrança é uma que começa assim: Acuerda-te de Acapulco, Maria Bonita... E por aí vai. Pois essa era a música de chamada do nosso antigo cinema. Ainda hoje, ante a simples lembrança daqueles acordes, dá vontade de perguntar: O teu amor também nasceu naquela sala de projeção? E, foi naquele domingo em que passou o filme Os Dez Mandamentos que ele floresceu? Depois - tempos depois -, entre tão longos filmes tu foi escolher a fita do Bem-Hur, do Spartacus, quem sabe o Rei dos Reis ou Laurence da Arábia, para aplicar o teu primeiro beijo na hoje tua senhora? Só por que eram longas metragens? Cadê a coragem, naqueles tempos, hein? Se tudo aconteceu naquele famoso escurinho da sala, como já apelidaram tal momento mágico, sob o patrocínio dos mais longos e enjoados filmes de então, por que negar? Somos de outra geração onde tudo era tão diferente, verdade? Ah!!! Quem vai se lembrar hoje em dia da dificuldade do primeiro beijo. Só mesmo os saudosistas do Cinema Marabá, como nós. Quem vai precisar de um filme de longa metragem para aplicar um beijo se esse átimo, hoje, dispensa as salas escuras? Se puder ocorrer num tempo menor que o de um comercial de cerveja e se, às vezes pelo que parece, nem é mais num beijo que o namoro começa. Mas que o cinema faz falta em nossa cidade, isso faz. Ao menos para assistir aos bons filmes que passavam naquelas quartas-feiras e que hoje são chamados de Cult. O dono da sala alugava-os para o meio da semana por serem sensivelmente mais baratos. Víamos, assim, graças à sovinice do proprietário, no meio da semana, os bons filmes de Fellini, Dino de Laurentis, Pier Paolo Pasolini, Jean Luc Godard, Ingmar Bergman, Elia Kazan. O fenomenal e inesquecível A Estrada, com Anthony Quinn e Giulietta Masina nos papéis de Zampagnó e Gelsomina passou tão despercebido na tela de uma quarta-feira quanto Noites de Cabíria e Oito e Meio. A Doce Vida - para ficarmos apenas nos filmes do Fellini - passou numa quarta com pouquíssimas pessoas assistindo ao Marcelo Mastroiani e Anita Ekberg na cena do banho na Fontana di Trevi. Mas, vamos deixar isso pra lá, até por que não se namorava muito nas quartas-feiras. Não era dia de beijos, convenhamos, e o escurinho servia mais para a gente bater com os pés quando a fita rebentava e enquanto o Nelsinho emendava o celuloide com acetona para reiniciar a projeção. Chega! Parei. A saudade quando começa a ficar triste vira nostalgia. E não é o caso...

La dolce vita - la fontana di trevi - Fellini - a Napoli

Bon Jovi-Thank You For Loving Me

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Fafá de Belém - Amor da Minha Vida - Especial Roberto Carlos

Meu Caro.

Muito me lisonjeia saber que lês minhas crônicas. Tenho dúvidas se os temas tratados nelas te atraem e certezas sobre a dificuldade que é agradar a todos. Não obstante, não vou fugir dessa linha enquanto houver assunto, já que não mais me atraem as pesadas teses propostas pelas pessoas ditas politizadas. Foi-se o tempo em que ralávamos no Café do Tritri, até altas horas da noite, comentando as catilinárias do Comandante recém descido de Sierra Maestra, através da Rádio Martí ou os discursos do Leonel Brizola pelas ondas curtas da Voz da América. Ainda, confesso com certa reserva, me dá enfado buscar assunto num livro do Antero de Quental, do Régis Debray ou do Sartre ou mesmo ler e comentar as histórias policiais do Poe, do Hawthorne e do Wallace, para depois trocar idéias. Quero bem mais, quero ficar na simplicidade de ler e guardar para mim as aventuras da Miss Marple, do Inspetor Maigret e do Perry Masson que me divertem ou assistir filmes com a Megg Rayan, Nicole Kidman ou a Juliette Binoche. Adeus às teorias do Piaget, do Paulo Freire e do Betinho. Tudo hoje me soa como coisa vã. Se não assimilei os rudimentos de literatura do Sílvio Romero, do Teófilo Braga e do Mário de Andrade não vou entrar em parafuso. Até por que não existem mais a Churrascaria do João Gago, o Bar do Élvio e o Cavalo de Aço, do Felipe, lugares onde sem pudor nenhum partilhávamos essas atrocidades culturais madrugada adentro, não raras vezes em saudosa companhia do Eterno, do Jacques e do Marta Rocha - que Deus os Tem. Tudo passou. E valeu. Mas, é só. Hoje já não há mais idade e pique para enfrentar uma noitada num banco da praça pregando peças em guardas noturnos, discutindo artigos e charges dos atuais similares do nosso querido O Pasquim. Tudo tem seu tempo e para estes assuntos de alta importância novos cronistas estão por aí esbanjando talento. Mas, caro amigo, não entendes, possivelmente, a enorme satisfação que me invade quando enveredo pelas lembranças que guardei da minha aldeia. Pelas bobagens, como costumo dizer, que em ânsia louca procuro ouvir dos mais velhos. Outros andarão por aí, como disse, novos chegarão e aportarão seus barcos nesse cais das discussões importantes. Eu, de minha parte, se me permites, com toda essa tua juventude, com toda essa tua vontade e fleuma de ler assuntos menos leves, vou continuar chateando os meus pares com as histórias daqui onde me criei. Quero ser ilha nesse imenso arquipélago de coisas que ainda quero contar, se para tanto viver. E me encantar em saber que ao fim de uma crônica minha ao menos uma pessoa, só umazinha, num supremo elogio, se sair com este comentário: - Mas que bobagem!!!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A Lista


No início da década de sessenta, não existia a terminologia Gay, que quer dizer divertido, descontraído, solto, na língua inglesa. Tampouco a designação bicha e afins como GLSs faziam parte do vocabulário cotidiano. Quando o rapaz tinha algum trejeito, desmunhecava, ou era muito bem arrumadinho de roupa e acessórios (sabe como é, um pullover vermelho, uma bolsinha leva-tudo, qualquer modernidade? Brinco, então, nem se fala...) já chamavam ele de veado. Pois, nesse tempo, no universo de uma cidadezinha como a nossa, a barbearia era o centro da informação, e da fofoca, naturalmente. A do Olímpio, foi famosa. Pois, quando o Idílio veio morar aqui, o Olímpio deu em implicar com ele. A implicância foi a tal grau que, dizem, o nome dele foi parar num lista de bichas, que o barbeiro confeccionara. Um dia, sabedor da relação em que constava o nome dele desabonando a masculinidade, o Idílio afrontou o Olímpio: - Como é, será verdade que meu nome está numa lista de frescos, que tu tens. Olha – sentenciou - para que tenham na cidade cento e dezoito veados eu estou, então, com três nomes. Vai lá, me mostra essa lista... O barbeiro, salta daqui, salta dali, acabou indo nos fundos do salão e dali - não sem tendo demorado um pouquinho, que desse tempo para apagar o nome do Idílio - trouxe uma lista, com trinta e poucos nomes (já naquela época) e mostrou-a, dizendo: - Está aqui, mas não fui eu que fiz, deixaram por aí e eu guardei... Os nomes eram escritos a lápis e, na verdade, o nome do Idílio não constava. Leu-a e entregou-a ao Olímpio que voltou a guardá-la lá na outra peça, nos fundos, onde estava o seu quarto e cozinha. Antes, tirou o lápis, que tinha aquela borrachinha de apagar na ponta, passou o grafite na língua, e, lá pelo meio da lista, onde tinha um vão, escreveu, novamente: IDÍLIO. Dobrou-a e guardou-a. Bem guardada...

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Gravatá

Perdeu-se no tempo a origem do apelido que lhe deram: Gravatá do Euzébio. Casa noturna que foi ponto de boêmia na nossa juventude. Apenas dizia-se: Vamos pro Gravatá? E, lá, fechávamos a noite dançando com a Maurícia, a Gaveta, a Espada Nua, a Negrona, a Peluda, a Muda, a Maria Vaca, a Farela e outras que não nos vêm na memória, agora. Único lugar na noite onde encontrávamos cigarros Hollyhood, o xodó dos fumantes, por anos a fio, ainda com a marca escrita em letras góticas, bem antes do advento do filtro. No bar, sob um balcão de pedra, havia um poço com água fresca para gelar a Brahma Chopp, cerveja da época. No geral, inverno ou verão, sempre a uma temperatura ambiente, bebia-se, motivados pelo preço, muita cachaça com vermute, num tempo em que ainda não haviam dado com os costados por estas bandas a Cuba Libre e o Samba. No salão, num canto, ao alto, havia uma espécie de gaiola onde ficavam o Filomeno, o Dadinho e o Cláudio Caminhão, os músicos, protegidos das eventuais escaramuças. Na portaria, cobrando a entrada, e também servindo de garçom, o Sencinho, filho do dono da casa. Gerenciando os bailes, o pai, carapinha branca, olhinhos baços, sempre se fazendo de desentendido, eternamente dizendo que não sabia de nada embora nada lhe passasse despercebido. O Gravatá foi palco de inumeráveis brigas patrocinadas pelo Timotéo, Alemão do Julinho, Caco, Alamir, Zé do Julião e outros tantos gigolôs e desordeiros daquele tempo. Brigas entre mulheres encrenqueiras, então... Mortes, também: Duas. A primeira, no meio caminho entre o bar e o salão, numa peça que tinha portas para o quartinho onde o Euzébio sesteava, mataram o Cabo Assis. Quando a polícia chegou ao Salão e perguntou o que acontecera, mesmo com o brigadiano estirado numa grande sangueira, a resposta do Velho foi serena: Não sei meu filho... Foi? Anos mais tarde, quando na porta de entrada o Bidoca matou o Martín Ligeiro, fecharam o peixe para sempre. Contam, nada o Velho sabia nem nada vira naquela noite. Vem daí, por suposto, o costume que é comum na cidade: Apelidar de Euzébio, sempre que alguém desconhece alguma novidade ou incidente. E, somos nós, os antigos daquele tempo, que perpetuamos a lenda de chamar de Euzébio quando alguém se faz de desinformado. Sabiam? Não? 03/10/2011.

domingo, 2 de outubro de 2011

Como Gente...

Criado na campanha, em meio ao encordoado de coxilhas que o tempo esculpiu no pampa, Terêncio vivia, agora, já sessentão, pensando numa aposentadoria que lhe trouxesse conforto. Menos trabalho - pensava ele - e um dinheirinho certo no fim do mês, enquanto tinha saúde, que os remédios - parafraseava: - andavam pela hora da morte! Até já procurara um político amigo que lhe descolasse uma casinha daquelas que os candidatos destinam a seus eleitores perto das eleições. Vai vendo ele era amigo dum vereador que já tinha duas eleições, à custa de presença diária no plantão de socorro, e se preparava bonito para a próxima. Deveria, com toda a certeza, se reeleger com a mesma facilidade das campanhas anteriores. Ah!!! Só faltava a sorte lhe disparar numa olada dessas, pensava, agora que o partido do finado Brizola andava por cima na região... Esperançoso, fazia os seus cálculos para aproveitar a felicidade que viria, por certo, com uma ou duas pecinhas lá na Silvina, ou no Mutirão, lugares do seu encanto, zonas afastadas do barulho, lugar de bastante conhecidos. Mas, sonhando por sonhar, o Terêncio que tinha a idéia de um futuro na cidade não queria descuidar lá de fora, nas Pontas do Chasqueiro, no meio daquela serra, do seu campinho onde estavam os seus interesses e precisava manter o controle do seu gadinho, das suas ovelhinhas que lhe davam a subsistência. Achando-se forte, ainda, acreditava, piamente, ter forças para cuidar dos animais e banhá-los modernamente com isprei, livrando-os das bicheiras, sem descuidar dum salzinho, de vez em quando, para mantê-los brilhosos, gordaços e o rebanho não mermasse. Mas deixa estar que correndo os dias na languidez da paisagem serrana, na vida do Terêncio, também, furingando o amor, ele não descuidou de dar carinho à Mariazinha, achego ali mesmo da vizinhança que tinha lhe dado um lindo filho com toda a sua parecença. Meio escurinho, o guri saíra à mãe, negrinha teatina daquele recanto que há muitos anos chegou a ser um palmar na Airosa Galvão. Menos que palmar, um arremedo de quilombo, de dúzia e meia de criaturas saídas duma estância do Cerro Chato, que por ali se arrancharam com o consentimento de um fazendeiro de ideais farroupilhas - temente a Deus e entonado com o Império - que lhes dera em comodato uma pequena extensão de terra e os acobertou até o advento da República. Pois, ao filho que trazia seu sangue, e que para o Terêncio era tudo na vida, ele carregava como questão de honra, passar a sua experiência, para que o filho se criasse como gente, como dizia, para garantia do seu futuro. Neste tranco, com a chinoca garantindo os afazeres domésticos, e ambos cuidando das questões familiares, passavam-se os dias. Terêncio, sem perder vasa, professorava, em cima do guri, transmitindo tudo que podia e sabia àquele fruto do único e grande acontecimento amoroso da sua vida. Tudo ele ensinava ao menino, que já estava modificando a voz – ora cantando como garnizé, ora engrossando o tom como um galo - nos seus quase doze anos. Nas charlas com o pai ao pé do fogão à lenha botava tenência em tudo o que ouvia da rude e terna filosofia campeira. Entrara tarde na escola, mas, esperto. Logo, logo o piá aprendeu a ler e escrever. Para orgulho do pai ele rabiscou as primeiras notas para levar à venda do seu Basílio, que ficava logo ali, adiante da Nica Chaves, já no segundo ano do colégio. Como calculara o velho gaúcho, o filho estava se encaminhando na vida. E, em cima desse aprendizado da escola, o velho ajuntava conselhos, traçava parecenças, buscava luzes nas histórias gauchescas do velho Blau Nunes, nas mentiras do Romualdo ou nos causos do Navidinha. Tinha, sim, muita filosofia no corpo o Terêncio... Não cansava de ensinar. Sempre insistindo nos velhos ditados e aforismas que fazem escola nesta campanha, neste pampa, neste sul maravilha, onde os portugueses e os espanhóis, brigando e amando, moldaram esta raça crioula, continentina, diferente, indomável e balaqueira. Que pai!!! Perseguindo o sonho de continuar feliz, como até então vinha sendo, não perdia tempo em deitar sapiência ao seu discípulo, sangue de seu sangue, aluno dessa escola bárbara, cheia de chão – e cheia e farta de elementos telúricos – daquele fundão abençoado das Asperezas. Assim, à medida que o menino crescia, o velho lhe mostrava - no quadro verde e grande da natureza... Sala de aula onde os gaudérios aprendem e ensinam... - desde as manifestações mais simples às mais misteriosas dos elementos da fauna e da flora que os cercavam. E o discípulo, a tudo prestava atenção, a nada se distraia. Quando o pai lhe perguntava por que o socó estava lambendo as penas, à tardinha, na taipa do açude o aprendiz prontamente respondia o que aquela cena representava e qual recado estava dando a natureza. Se um lagarto ao atravessar o corredor deixava o rastro da cola serpenteado na areia havia uma explicação e a ela o aprendiz atendia prontamente em dizer a que vinha aquele pequeno aviso. Nada passava despercebido ao aplicado aluno, nada. Gostava de ouvir o pai dando as suas interpretações àquelas manifestações naturais e procurava não esquecê-las. Muitíssimas vezes, o menino matutava nos porquês da natureza por pura vontade de aprender e perguntava: - Por que o gado se achegava para perto do alambrado? E se virava de costas para os lados do Rincão Feliz? Na certa, dizia-lhe o pai, - lá vinha o minuano trazendo os três dias de vento forte, gelado e seco. Se o gado, ou os cavalos, se enquadrassem um pouquinho mais para o sul, lá para os lados da Mauá, mais ao sul, era batata: O vento ia calmar, o tempo ia se firmar, era o solzinho sudoeste ideal para o lagarteio que estava dando o ar da sua graça. Então, quero-quero e cachorro, quando davam sinal, o guri já tirava de letra... Gente? Bicho? Rápido, o recado já tinha sido decodificado. Já ficava à espera por que algum vizinho estava chegando para fazer uma visita ao rancho. Terêncio, com esse maravilhoso correr da vida, com o sonho e a esperança da casinha na cidade, aliado ao ensino que proporcionara ao guri, exultava. Num dia que morria cálido, sentado à soleira da porta, picando o fumo para o baio – palha de milho já aparadinha na orelha -, chamou o filho, de uma forma carinhosa, para perto dele. Agachado numa pedra mó que agora servia de portal da casa o guri esperava assunto, quieto, só ouvido... Então, com uma serenidade nunca vista em seu semblante, e uma ternura infinita, Terêncio pigarreou, olhou o horizonte, deu um suspiro e lascou a sua sentença, definitiva, a cerca de tudo que procurara ensinar: - Filho! Desta pouca sabedência que trago na cachola posso te dizer uma coisa, já que te amo tanto: - Sei que tenho sido duro contigo, mas, é lei simples, que ainda vais ensinar aos meus netos: - Quem dá a bóia, dá o induque!!!

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Lautéria & Robério

O Robério e a Lautéria... Não, melhor dizendo, nós a chamávamos de Lauterinha, e a ele Robério do Toríbio. Baixinhos os dois e ela bem mais baixinha que ele. Ainda não havia sido cunhada a expressão casal vinte e eles já preenchiam, à perfeição, o requisito da soma que consagrou o seriado televisivo do dez mais dez. O Robério usava um casquete do exército, atravessado na cabeça, quase tapando um dos olhos, sempre com um cigarro feito à mão, nos três-quartos da boca de grossos beiços, grandes e redondos, com o inferior já caído pelo peso do contínuo uso do pito. Em conjunção com a tez morena e cinzenta daquele crioulo mulato, a pele ressequida da Lauterinha, índia abugrada, ajudava na formação de uma das parelhas mais perfeitas do gênero humano. Quieto, o Roberinho não era de se invocar com ninguém: a bem dizer pouco se incomodava quando a gurizada implicava com o pitoresco casal que os dois formavam. Quando muito ele virava a cabeça para fitar os zombeteiros à sua volta. Nem quando o Elias e o Cabeça disputavam a Lauterinha nos bailes do Gravatá o Robério se incomodava. Chegava dançando, mas, em seguidinha, se emborrachava e se sentava num canto do salão. Só levantava a cabeça para fazer uma senha ao Censinho, misto de garção e porteiro, para que lhe trouxesse mais vermute com cachaça, às vezes um samba. Nunca, que se tivesse conhecimento, tiveram uma moradia fixa, só deles. Viviam, sempre nas bolantas, nos ranchos de leiva e santá-fé ou num canto qualquer de galpão de granja ou estância. Ele, Inseparável da canha, trabalhava em lides campeiras onde tivesse um serviço changueiro, nunca foi dono duma carteira que registrasse o seu salário, que lhe servisse para uma futura aposentadoria. Correto, nunca discutia o valor do seu suor: trabalhava, recebia, logo gastava tudo, e, ponto final. Nunca meteu ação trabalhista contra os patrões que tivera. Tudo o que tinham cabia em duas trouxas, que cada um carregava. Quando estavam com o dinheiro na mão vinham à cidade e entravam no primeiro boteco que estivesse aberto. Seus bens ficavam atrás da porta. Um trago de canha, mortadela e bolachas, era o lugar comum na alimentação. A Lauterinha, (quem lembra?) era muito de xingar. Xingava por ela e pelo Robério. Às vezes, ela se dava ao desplante de escolher o serviço que ofereciam ao marido, quando se enquadrava a oportunidade duma changa na cidade. Ficava, a bem dizer, uma arara quando por molecagem ofereciam um serviço subalterno a ele. Quando isso ocorria, ele olhava ora para quem propunha o serviço, ora para ela, esperando um consentimento para a pegada que, diga-se, nunca era confirmada por tratar-se de pilhéria. A Lauterinha, invariavelmente, usava vestidos de chita com estampas berrantes. No cabelo, que nunca faltava a pastosidade de um óleo de mocotó, uma colinha feita com elástico. Sempre pintada. No rosto, um grosso empoado de ruge. Nos lábios finos, sem que lhes observasse a moldura, nunca faltava um batom vermelho, espalhafatoso, comprado na Loja do Pedro Fagundes onde se municiava com os vidrinhos de Amor Gaúcho, o extrato da sua preferência. À noite, se fosse uma Quarta-feira, o casal fazia uma escala no bar do Balaco antes de ir para o baile do Seu Euzébio, do outro lado da rua, de onde chegava o som da gaita do Dadinho e a a melodia da flautinha do Cabo Rosa. Dava gosto vê-los no peixe. No puteiro... Dá saudade lembrá-los!...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Caçada
Jorginho Menaides. Negrinho esperto, cheio de boas amizades, nunca lhe falta companhia. Seja para uma caçada de marrecão, ou uma pescaria, ele, sempre disposto, está a postos para fazer um carreteiro. É a sua especialidade, por maior que seja o panelão. Com ele, sem desprezar o Anacleto, o Ni, ou o Tuíca, é tiro e queda e o arroz se apronta sempre soltinho e delicioso. A despeito de todas estas habilidades, tem ele uma incumbência honrosa e perpétua para toda e qualquer farra que os amigos inventam: juntar as percantas para coroar as memoráveis cafajestadas que, diga-se de passagem, com o Jorginho nunca há falhas. É barrerão. É sempre companheiro. Mas, vai daí, um dia, já nos finalmentes em que os apetrechos para uma caçada ao marrecão estavam sendo checados, o Avelino, de última hora, naquele átimo fatal do e lá se vamos, lembrou que faltava, na enorme lista de apetrechos, riscar a palavra vaselina, substância imprescindível em toda e qualquer boa farra. Para fechar a lista, foram, então, até à farmácia da Olga onde o Jorginho, com uns pilas na mão desceu para comprá-la. Os amigos, esperando, olhavam a conversa dele com as meninas do balcão fazendo o pedido quando, lá de dentro, ele se vira para a porta da rua e grita: “ -E aí, guris, é sólida ou em líquido?” Primeriando a resposta, o Mano Dora, o mais moleque da turma, no mesmo tom, para que as gurias ouvissem, também grita: “Não sei, negão, o fiofó é teu..., te vira..., tamo fora...!!!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Copas
Para o João Antônio Garcia

- É? Foi desta forma que ele manifestou a sua admiração pelo que ouvia. Custou-lhe muito, com seus dez anos, depois da curiosa explicação, acreditar que na Copa de 1958, nós só vimos o tape ou o replay, seja lá como era chamada a visão documentada daquela jornada esportiva em filme cinematográfico vários meses depois. Verdade, sim. A copa, com a nossa vitória, foi num finzinho de junho daquele ano e nós só fomos ver as jogadas espetaculares do Pelé, do Garrincha, da formiguinha de nome Zagallo, no mês de outubro, três, quatro meses depois da primeira conquista que se deu em solo sueco. Vivíamos a era do rádio, com transmissões precárias, ainda, cheias de ruídos e nos sentíamos felizes pelo privilégio que nos ofertava a tecnologia. Não tínhamos senão o cinema para nos mostrar os lances e jogadas que surpreendiam o mundo quando a bola estava nos pés dos melhores jogadores do mundo. Estávamos, e não sabíamos, nós os ouvintes da radiofonia, aspirando a propriedade dum esporte que viera da Inglaterra cheia de estrangeirismos e que atendia pelo nome de foot- ball. Começávamos a ser donos (embora o Uruguai e a Argentina também quisessem ser) duma modalidade esportiva que emociona hoje esse universo de países praticantes. Foi a partir daquela copa que o linguajar em inglês começou a perder espaço para a moderna nomenclatura do futebol de hoje. Já na nossa segunda conquista, a do Chile, não dizíamos mais a palavra center half, os half direito e esquerdo, o goal keeper, o center forward, e outros nomes denominadores das posições táticas. Assim, raferee já era chamado de árbitro, penalty de penalidade máxima, corner de escanteio, team para time e para os off sides o impedimento. “- É..., deve dar saudade, vô... Acho que vocês eram mais felizes..., comentou.”. Não deu tempo para falarmos do passado da seleção canarinho. O menino, parecendo gente grande, começou a divagar: “- Em compensação – lascou - não existia, como hoje, a Nike com aquele afrontoso bumerangue que as câmeras vivem focando, nem listras da Adidas ou o elástico felino representado no logotipo da Puma...”. Eram tempos difíceis, reconheçamos, mas, certamente, o Feola, o Paulo de Carvalho, os Moreira, escalando a seleção, diferentemente de hoje, em completa liberdade, com os corações esparramados, juntavam onze para ganhar as partidas... Na raça. E sempre. Ainda, nos rádios à válvula, fosse o Cozzi, o Cândido Norberto ou o Ari Barroso, transmitindo os lances que não víamos, também nos poupava das marcas estampadas nos uniformes, nas chuteiras, ou nos out-doors que hoje tiranizam e submetem nossos técnicos e nossos cartolas. Valeu tua observação, Martín. É isso aí.

domingo, 18 de setembro de 2011

A realidade supera a ficção

Zorra Total de ontem: a Valéria, duvidando do título de miss que a Babuína dizia ter conquistado, foi cáustica: - Olha Babuína, se tu concorresses sozinha chegarias em segundo lugar... Por aqui, com a realidade superando a ficção, o Cizico, numa corrida de fundo, correu só e chegou em segundo lugar. Este, sempre suportando uma suave mas insistente maledicência de que tem pé-frio, muitas vezes, nesta vida, a bem da verdade, angariou sucessos. Nem sempre foram os espinhos da má-sorte que o acompanharam. Para desmoronar essa teoria muitas rosas no seu caminho: Já foi assistir grenais e viu o seu tricolor sair campeão do Estado. Depois, quantas, quantas vezes, também, o Caturrita e o Saci se enfrentaram e o Cizico fez carnaval na Doutor Monteiro e bebeu cerveja, sempre de graça, no Café? Então, farrear de graça não é ser de sorte? O Cizico já teve, ainda, alguns segundos de glória quando apareceu, ao vivo pela Band, com um cartaz de Estamos contigo Vanucci... num jogo da Seleção Canarinho, em Montevideo e veio de lá vencedor. Não faz muita justiça, pois, a fama que lhe dão. No entanto, nessa torrente de vivências que acompanha a sua trajetória neste mundo, ao menos que se tenha conhecimento, na história de nossa cidade, foi ele a única pessoa que disputou sozinho – sozinho mesmo! -- uma corrida de fundo e perdeu... Vamos apelidar o que aconteceu de Complexo de Babuína já que há complexos para tudo... O caso, que ainda está vivo na memória de muita gente, deu-se numa pernada esportiva que o time Caturrita patrocinou tempos atrás. Organizou-se uma corrida de fundo em que treze duplas, à moda da loteria esportiva, marcariam os vencedores nas três colunas. A corrida foi, como sempre, da esquina da sinaleira até o Clube do Comércio. Na Praça da Matriz ficou a Mesa da Comissão que organizou o evento. E, numa das duplas deveriam correr o Cizico e o Nico. O Nico, que por motivo de força maior – fora para uma pescaria -, não se apresentando para formar a dupla deixou em xeque a mesa organizadora que tinha como chefe a Silvana do Issa. Confabulações daqui, confabulações dali, os organizadores do evento entenderam que o Cizico deveria, já que não comparecera o concorrente, correr sozinho o trajeto da corrida para consolidar sua vitória. Não deu outra... Com a maior ingenuidade do mundo ele se prontificou a correr na última largada. Foi num pique até a esquina do Clube do Comércio e quando voltou, nesta altura da insólita disputa já aclamadíssimo, foi extraoficialmente considerado o vencedor. Enfim, a pernada se safara do impasse e tivera um vencedor na pessoa do Cizico. Mas, dizer que no Arroio Grande bobagem pouca é mais bobagem, ainda, naquele dia a simploriedade foi a rainha... Não vê que não podia faltar numa hora dessas um gaiato, um espírito-de-porco, para botar minhoca no samba do Cizico. Quem poderia surgir para estremecer a majestosa vitória do inditoso fundista? Quem? O Prego!... Como mandarim Caturrita ele interpretou o regulamento da pernada de forma diversa da que chegara a Comissão Organizadora e sustentou a tese de que, em caso de ausência de um dos corredores, o regulamento era claro e norteava para um sorteio o incidente: Tudo no cara e coroa. Vai daí, a Silvana, irmã do coração do Cizico, chancela nas faces duma moeda: Cara, seria o Nico, coroa, o Cizico. Tudo acertado sobe a moeda e, ao plantar-se de volta, se apresenta resplandecente no mosaico da calçada apontando o verdadeiro vencedor. Não era, decididamente, dia do Cizico... Deu cara! Venceu o Nico!!!

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Maria Rita Conversa de Botequim (Som Brasil).wmv


O CHOCOLATE

Quando se juntavam o João do Cantalício, o Molho e o Papaco Velho podia-se esperar que vinha picardia grossa a caminho. Numa feita, os amigos bolaram um jeito de acertar no jogo do bicho na banca do Seu Miguel Goz, pai do Papaco. O Seu Miguel tinha uma fruteira onde vendia bananas, abacaxis e, para aumentar o tutu, bancava ele próprio o jogo do bicho. Nada de centenas, ou milhares. Apenas o bicho, seco, na cabeça, às seis da tarde. Para tanto, de manhã cedo, quando abria as portas do seu comércio, já estava no forro da casa, fixo por um cravador, um pequeno cartão com a inicial do bicho escrita. Era assim: se o bicho escolhido para o dia era o veado, lá no forro de meia água, ficava pregado pelo cravador, o cartão com a letra “V”, à espera do resultado das apostas. Pensando bem, era mole acertar. Bastava o conluio com o Papaco e arranjariam o dinheiro para a farra da noite. O Velho não arredava o pé da fruteira, mas, ao meio dia, à hora do almoço, o Papaco driblaria a vigilância do pai e veria qual bicho estava no cartão para o dia. Assim fizeram. O Molho apostaria o dinheiro que recebera como cozinheiro do puteiro do Pedro Calaveira, o João do Cantalício torraria os pilas que fizera retelhando a barbearia do Berto Lima e o Papaco bisbilhotaria o resultado escrito no cartão. Dito. Era a letra “B”. Só poderia dar, então, pela lógica, ou boi, ou burro, únicos que iniciavam o nome com aquela letra e que concorriam no jogo. Um cravou os pilas no boi e o outro no burro, cercando os bichos. No fim da tarde o Velho, à janela da fruteira, com um lápis do jogo ainda na orelha, e o olhar perdido no canteiro da rua, esperava a hora de fechar a casa. O Papaco, sentado no portal, tomava mate esperando o desfecho da história. Como era a hora do resultado se aproximaram os jogadores. O Papaco cumprimentou-os como se fizesse anos, anos mesmo, que não os via. Contaram até novidades, no afã de enganarem o banqueiro. Mas, não contavam com a quilometragem que o Seu Miguel trazia no corpo (macaca velha, como dizia o Alberto Mendes). Não era por nada, não, que tinha saído da Ásia Menor (com escala na Europa), atravessado o Mediterrâneo, costeando a África para depois, mais de mês na travessia do atlântico, chegar até o porto de Santos e descer até este sul maravilha. Que longo caminho até chegar aqui na cidade e casar com a Dona Benta... Depois dos salamaleques da chegada o Molho, que tinha jogado no burro, entrou na fruteira e atirou as linhas: - Só falta ter dado o tatu, Seu Miguel? O Velho levantou-se, espinha arqueada, arrastou a cadeira para o meio da peça, subiu nela e de lá tirou o cravador com o cartãozinho e a letra “B” escrita. E deu o chocolate: - Não meu filho – respondendo numa mistura da sua língua de origem com a portuguesa, mostrando o resultado: - Que falta de sorte! Deu bestruz, olha aqui! Não tinha cola o capincho...

Dio come ti amo

quinta-feira, 1 de setembro de 2011



Fim de Tarde


Juntou uns gravetos de vassoura vermelha no fundo da caixa de lenha e acomodou-os em cima das brasas que dormiam no fogão. O fogo se avivou sob a chapa onde estava a chaleirinha de ferro e a panela da comida que restou do almoço.
Com o porongo do chimarrão na mão – Gerôncio tinha o costume de manusear as tralhas da cozinha segurando a cuia enquanto a erva inchava – olhou contemplativo, pelo retângulo da janela a linha do horizonte que se apagava, tímida, misturando o topo da coxilha com o céu que se encardia ao entardecer. Para os lados do arroio da Divisa, nos pés de turumãs, os jacus já tinham feito a última algazarra do dia e aninhavam-se para enfrentar a noite. No fogão, ardia uma acha de aroeira, manhosamente, mantendo quente a água da chaleira enquanto Gerôncio, submisso pela rotina de uma vida inteira, mateava, esperando pela comida que aquecia devagarzinho... Quieto, matutava...
Naquele cantinho de terra chegara guri ainda e ali, por inúmeras vezes dissera, havia de morrer. Vivera sempre só. Nunca quis achego com rabo de saia. Nem antes, nem agora – repetia, quando se enquadrava o assunto. Até porque já começava a nevar naquela cabeleira que fora vasta e preta denunciando as suas origens afrodescendentes. E, toda vez que lhe vinha o pensamento de um dia deixar a campanha, assaltava-o uma indisfarçável irritação, perturbava-se, seu olhar ficava sem jeito, mudava da noite para o dia. Não, morar na cidade, definitivamente, não. Nem pensar! Se a passeio já era difícil...
Então, desconversando a lembrança, buscava imagens do passado, imagens que lhe davam satisfação. Recordava o tempo em que, quando rijo como uma árvore de lei, atendia as lavouras de subsistência da estância, desde a lavração até a colheita. Agora era posteiro – na verdade era uma mistura de posteiro com agregado – e tinha aos seus cuidados os fundos da estância, para espantar intrusos e reparar as cercas, que sempre havia um consertinho aqui, outro consertinho ali, a fazer, para que a gadaria se mantivesse cuidada. Aposentado, tinha o rancho para morar e, ainda, de troco, ganhava uns cobres como ajuda de custo pelo serviço que continuava prestando. Mais, tinha tempo para cuidar da sua horta onde plantava verduras e da quinta que sempre tinha frutas em abundância, graças ao bom tratamento que ele dispensava a elas.
Pois, no tempo em que começou a se popularizar o rádio portátil, Gerôncio, para aderir à moda, trabalhou uma safra inteirinha poupando seu salário para comprar um. Certo dia, negociou com um mascate um Philcão que mais parecia uma mala, de tão grande. Foi comprar o rádio e dar adeus à solidão. A partir daí sua preocupação era não deixar faltar energia ao aparelho. Para mantença, ele era prevenido e sempre tinha várias cargas de pilha. Umas, pouco usadas, outras usadotas, outras fracas, mas ainda servindo. E, assim, era raro, para dizer, raríssimo, pegarem ele sem rádio funcionando. Podia não ligá-lo quando havia muita descarga de tormenta, mas era só, também. Rádio sempre ligado quando ele estava na lida da casa ou se recolhia para o descanso. Manhã escura, ainda, acordava com tenência no rádio e, antes de botar o pé para fora da cama já estava com ele ligado. Quando manuseava os avios para o mate e remexia a caixa de lenha à procura de um graveto para começar o fogo, já as primeiras notícias da manhã enchiam de vida o ranchinho construído de leiva. Tinha um rádio como campanheiro e bastava – como ele dizia. E dá-lhe, noticiário e dá-lhe, música gauchesca!
Depois da janta pitava, deitado, um enroladinho para em seguida dormir como criança pequena – que vida se não fosse a morte...
Um dia, já vaqueano de tanto bulir com o rádio, Gerôncio, que não era muito de se abrir confessou pro Tacico um desejo:
- Da vida, só quero uma coisa: não quero morrer sem antes conhecer Canguçu, Nova Iorque e Passo Fundo, terra onde nasceu o Teixeirinha!

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Aparências
Os dois pontinhos pretos no horizonte, via-se agora, eram dois cavaleiros que desciam a encosta para alcançar uma picada do Simão. Margeado o corguinho que se formava no campo quando havia enxurrada, aproximaram-se e desapareceram em meio à mata de tarumãs, coqueiros e guajuviras. Vencido o arroio ressurgiram alguns instantes depois, num devagar preguiçoso, para transpor a coxilha ao longe. A luminosidade do campo só perdia para o azul do céu. Mesmo fosse inverno fazia uma tarde maravilhosa. O dia parecia de primavera – com uma tepidez que convidava para abraçá-lo, bebê-lo, enlear-se... Com a proximidade da dupla dava para ver no primeiro gaúcho que cavalo e cavaleiro traziam um porte garboso. Dir-se-ia do primeiro que era o Senhor da Mancha no seu Rocinante - saltava aos olhos o que escrevera o cearense famoso quando definiu o gaúcho como o Centauro dos Pampas: fosse ele o rei da criação, seria o cavalo o seu trono... Montaria ele um cavalo de raça e estirpe talvez descendente do La Invernada Hornero, ou outro BT, abrindo caminho e primeriando à lida? Ao menos parecia... Já com o de atrás se agigantava a triste imagem do fiel escudeiro espanhol montando seu burro orelhudo se arrastando aos trancos, lerdo, jururu e dolentemente... Os dois juntaram o gado e encerraram-no na mangueira para a vacina. Terminada a lida soltaram os bichos quando o poente já se avermelhava com o sono do dia. Com o serviço terminado eles partiram pelo mesmo caminho que vieram. Lá na coxilha, imitando a bela, mas irritante e recorrente silhueta dos tuaregs e seus dromedários nas faldas das areias saarianas, a dupla seguia distanciando-se dos nossos olhos. Difícil acreditar, mas, definitivamente, naquela dupla os papéis estavam trocados... O Nenê, que vinha no cavalo indolente, a tranco, fora criado na lida do campo desde que se conhecera por gente. Mais: domador conhecido nesta zona da Figueirinha. Seu companheiro, e meu vizinho, o Júlio, embora soubesse montar bem, conheceu cavalo quando já era taludo. A nós as aparências não estavam enganando. Lá, Cervantes, quando escreveu sua obra de ficção criou dois tipos: um era o Ideal (Quixote) o outro o Real (Sancho). Cá, para nós, o do cavalo garboso – citadino - era o Ideal. O outro, - exímio cavaleiro - que simplesmente andava a cavalo, sem fleuma nenhuma, era o Real. Tal crônica está sendo feita ao ensejo das festas que se aproximam. Nestes tempos de festejos da epopeia farroupilha de “35”, em que desfilam altaneiros cerros e cerros de gaúchos vergamotas, quem diria que Cervantes está mais presente nas nossas festas do que o General Netto, que o Silva Tavares ou que o Pedro Canga...
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Só o Martín, criança ainda, que desde nosso alpendre, cuidava o movimento do Nenê e do Júlio, desde o início, ingenuamente, quando eles desapareceram no horizonte, sussurrou baixinho no meu ouvido, perguntando: - Vô! O tio Nenê é maturrango?

Jessie J - Price Tag ft. B.o.B. Legendado


Merengue

- Tempos bons aqueles... Disse, com o olhar perdido na tijoleta da calçada. – Aquilo é que era tempo... - repetiu -. E eu, admirado - admirado, mesmo -, pensei com meus botões se teria o meu interlocutor com tal estultice sido assaltado momentaneamente por uma doença chamada saudositite? Divagaria sobre aquelas raríssimas quermesses que se realizavam sempre entre o clima ameno de um fim de primavera e o início do outono, lá no Colégio das Freiras? Seria a lembrança daqueles esporádicos bailes do Beca, ou da Casa Queimada, que turbinava sua saudade? Será que recordava as matinés ou as antigas sessões de domingo no Cine Marabá? Estaria se transportando - no tempo - à descalçada Doutor Monteiro com o Izidoro, ou o Boquinha, tapando-o na poeira de um Gordini 1093, a coqueluche da época? Definitivamente, eu tinha achado um tipo à moda antiga. E o que fazer, senão obrigá-lo a por o Tico e o Teco que havia dentro daquele mogango em cima dum pescoço a espernearem em busca de uma luzinha? Ponderei, então: - Não via ele que a gurizada dos points de hoje faz de três ou quatro quadras da via central da cidade, de quarta-feira a domingo, uma média de duzentas e tantas quermesses, por ano. Não via ele que somando os bailes do Babalu (também chamado de Porta da Esperança), os de terceira idade (que são dois ou três grupos diferentes - num deles chega a ser proibida a entrada para menores de vinte e cinco anos), os do Buraco Quente (apelidado, carinhosamente, de UTI: Última Tentativa dos Idosos), chegam a mais de quatrocentos bailes por ano. Tudo sem falar em festividades paralelas ligadas ao tradicionalismo. Mais, como o nosso interlocutor enfrenta a dura realidade de uma comparação daquelas antigas sessões do Cine Marabá com os filmes que nos oferecem hoje: Várias locadoras (com milhares de filmes a escolher); Temos o cinema em casa com transmissões via internet, via parabólicas (diversos satélites à disposição)... Milhares de filmes por mês. Ainda, nos transportamos por toda a cidade, asfaltada ou calçada, tão confortavelmente, que é baixíssimo o índice de pessoas que chegaram a conhecer o uso da galocha para os dias chuvosos e barrentos daquele tempo do pesco. Ah! Bichão! Não. Não quero tripudiar em cima dessa tua ingenuidade extemporânea, mas, repara naquela esquina do Clube Caixeiral, aos domingos, à noite: São cinqüenta e dois merengues, por ano, para as crianças dançarem das quatro horas até a meia-noite. Tudo, contra três bailes infantis que tínhamos, naqueles tristes tempos... Sempre depois de esperar o corso da duquesinha e sempre terminando às dez da noite. - Olha, cara, vai te catar... Põe essa tua viola no saco... Deus nos reserva, ainda, um tempo melhor que o de hoje... Repara, que Ele está só nos mostrando aos pouquinhos... Como quem come mingau quente: pelas beiras... É esperar e ver...

sábado, 27 de agosto de 2011

A Outra Sete Portas

Já escrevemos, tempos atrás, sobre a Sete Portas que existiu na Rua Doutor Dionísio. No entanto em nossa cidade havia outra Sete Portas cujo dono era o Seu João Rodrigues. Ficava no cruzamento das atuais ruas General Osório com Gumercindo Saraiva. Esta edificação tinha como vizinho o primeiro Cabaré da Tia Rosa. Moramos na nossa meninice no quarteirão que era assim formado: Numa esquina a nossa casa, na outra a Tia Rosa, noutra a casa da Castelhana Casemira e bem na esquina (onde hoje é o Açougue Rodrigues), com frente para a Rua General Osório, o famoso Bar do Timotéo. Ali se vendia de tudo: tinha gibi do Xuxa, disco 78 rotações do Chico Alves, os primeiros long-plays do Cauby Peixoto e da Ângela Maria, pneu com aro e câmara, montado, pronto para uso em Ford Bigode, rádio à válvula, pão, relógios (dos empenhos), botas campeiras, esporas, velas, sardinhas em lata e o que mais se possa imaginar. Era o boteco em que entrava o maior número de borrachos por dia. Ali o gambá não precisava de dinheiro para comprar canha: deixava o que tivesse: nos pés, no pulso, na cabeça, no bolso e, assim, o escambo corria a frouxo. O boteco era, seguramente, o mais sujo entre os sujos que pudessem existir na Terra. O mais fedorento e o mais apertado, também. Com as prateleiras cheias de garrafas de bitter, vermute, tequila, rum, cerveja, tudo misturado com sabão, telha francesa, cano de fogão, lata de querosene, fumo em rama, tecido em peças, mostrador de linhas Corrente, chinelos coloniais, alpargatas Roda, tijolos refratários... No chão, sacos de amendoim com casca, açúcar, arroz, feijão, batata inglesa, bateria de carro, pá de corte, macaco de manivela, lona de caminhão... Sobre o balcão, um baleiro com balas e pirulitos, pentes de plástico, Leite de Rosas, queques e rapadurinhas diversas: de leite, coco, amendoim, abóbora, tudo em comunhão com a cachaça esparramada no balcão pelos clientes. Numa das portas morou o seu Agapito que foi maleiro na Estação Rodoviária e se distraía, entre uma chegada e outra de ônibus, tocando uma gaita piano de 48 baixos. Noutra, depois de ser quarto de aluguel, veio a ser o último Bar do Pardinho. Noutra uma churrascaria que foi do Martin Ligeiro e depois Bar da Vera do Nenê Balhego. As outras três portas pela Rua Gumercindo até recentemente eram alugadas no sistema de Casa de Cômodos. A famosa Teixeirinha – que veio a ser dona de um cabaré que marcou época na cidade -, quando veio morar por aqui, habitou um dos quartinhos. Dos outros dois quartos – socorro! - quem lembra os moradores? Além das portas existia um portão que dava para um pátio onde moravam várias famílias nos quartinhos de aluguel do seu João Rodrigues. Defronte à Sete Portas (onde hoje está a quadra de futebol do Lui), um grande campinho, bem cercado, onde o Seu Pindoca, pai do Garoto e da Negra do Seu Dário, cuidava de suas vacas. Lembranças, lembranças...

sexta-feira, 26 de agosto de 2011







Seu Sejanes


O castelhano Sejanes pôs um pequeno cabaré. A filha mais bonita fazia parte do harém e ele tirava vantagem do fato dela estar entre as putas. Tinha ele lá os seus modestos conhecimentos sobre negócios da noite - afinal, nada juntara até então do dinheiro ganho com seu ofício de alambrador – e por isso se arriscava sem piedade no ramo do lenocínio. Conhecia o freguês fazendo associação com o tipo de patrão que ele servia: Gente que vinha dos Conceição tinha dinheiro. Se viesse do lado da Costa, lá dos Bandeiras, na certa vinha pelado. Da zona da Palma, se não viesse da granja dos Helgas havia perigo. Da Serra, então, só vinham os chorões, regateadores, canguinhas... Nesse andor iam o dono e o cabaré quando o Mulita, vindo lá das Cacimbinhas, recém-chegado na cidade, soube destas histórias e procurou passar a perna no Seu Sejanes. Apresentado pelo Chico da Currucha ele conversou muito no cabaré naquela noite. Tomando uma cerveja fresquinha com a melhor percanta – filha do dono, por sinal - garganteava o Mulita como nunca. Passava por guarda-livros duma granja da vargem e lascava falar em trilhadeiras, tratores, comparsas vindas de Canguçu e Piratini para o corte de arroz. Muitas outras coisas ele dizia sobre a empresa onde prestava seus serviços. E, pelo que segredara o Chico no ouvido do Seu Sejanes, o freguês era um dos melhores salários da Granja Soares & Conceição, firma conceituada à época. Lá pelas tantas, depois de terem dado um tempo para os dois cevarem o inocente comerciante, aparecem o Papaco e o Molho para completar o trio de pícaros. O Chico - leitão vesgo -, fez as apresentações combinadas e abriram mais cervejas por conta do novo empregado lá das bandas das Capoeiras. Já ia a noite se estendendo para o horário em que desligavam o gerador da cidade quando o Mulita se recolheu para um quartinho nos fundos do salão para o instante. Dentro da alcova, luz do lampião já apagada, a quenga, de bico tramado com o pai e dono do puteiro, arranjara a cadeira no cantinho onde os amantes colocavam as roupas. Por uma fresta adrede preparada, mal os casais trocavam as primeiras carícias, ou preliminares, como queiram os leitores, o dono da pensão metia a mão pela fresta e revisava os bolsos dos fregueses para ver às quantas eles vinham de plata e afanar alguma se se enquadrasse. Afinal, além das consumações etílicas, havia o pagamento da mulher e o aluguel do quartinho. Pois, remexe os bolsos daqui, remexe dali, constatando o Seu Sejanes que o Mulita ia aplicar um grande beiço, ainda com as mãos na fresta, sem largar as roupas, resolveu dar um basta, a toda voz: Hija!!!... O sem-vergonha não tem dinheiro! É um baita alarife! Se ele não meteu, não deixa meter...

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Nelson Gonçalves e Tim Maia: Renúncia

Os Palíndromos.

Deve estar na memória dos que assistiram ao Big Brother Brasil 7, a inversão da palavra feita com o nome da Iris, uma das participantes. Simplesmente, como sem querer, a Iris, que foi tomando conta do público que assistia ao programa, quando da sua eliminação, tinha seu nome firmemente trocado pelo de Siri. Ainda agora, nas suas andanças, parece que esqueceram o seu verdadeiro prenome e a tratam, carinhosamente, pelo da forma invertida. Ora, ao tratar deste assunto, pode-se dizer que não são raras as inversões de palavras, de frases, e mesmo de versos. Sejam lidos da direita para a esquerda como da esquerda para a direita - o que tanto faz - eles trazem uma enorme carga de humor. Da palavra amor, sai Roma, capital italiana e de outras tantas palavras ou frases saem outras inversões a que damos o nome de Palíndromo. Algumas valem a pena citá-las por serem engraçadas. É famosa a frase que diz: Otó come mocotó... Bem como outra, vinda da língua espanhola, e de facílima compreensão: Dábale arroz a la zorra el abad. Pela amostra se vê que estamos tratando de criação de sentenças feitas com altíssimo apuro intelectual. Gramáticos, artistas, amantes das belas letras e da sabedoria em geral dedicam-se à criação destas joias literárias. É infinita a possibilidade, se não for exagero dizer, de se criar frases ou versos que aceitam a inversão. Vejam mais estes: Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos; A droga da gorda; Assim a aia ia a missa; A Diva em Argel alegra-me a vida; Anotaram a data da maratona; A mala nada na lama. Quantos! Não temos notícias sobre a dificuldade em criar tais sentenças. Até pode, sem nosso conhecimento, termos entre nossos amigos pessoas com capacidade de criação e tempo suficiente, evidentemente, para se atirar nessa tarefa de garimpagem. É admirável a capacidade intelectual de quem cria frases passíveis de leitura inversa. Só para terminar, vale a pena deixar transcrita uma frase que ficou famosa ao tempo em que Ronald Reagam era presidente dos Estados Unidos da América do Norte: Até Reagan sibarita tira bisnaga ereta... Gostaram? Pois, este palíndromo foi composto pelo - nada mais nem nada menos - talentoso Chico Buarque de Holanda guru maior da nossa geração.

Valsinha ( Nelson Gonçalves e Chico Buarque De Holanda )

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Cena de "Antes.do.Amanhecer".

Aula no DETRAN

É ponto pacífico e todos sabem, que foi assistindo torturantes aulas, rabiscando, desenhando e divagando que a humanidade tentou vencer o enfado formando, ao longo da história, grandes chargistas, caricaturistas, desenhistas, quadrinhistas - quiçá colunistas - e todo o tipo de cidadãos íntimos das artes. Pois, dia desses freqüentamos um curso relâmpago que nos tomou uma semana. Tivemos, por contingências do destino que voltar nesta provecta idade, a sentar num banco escolar e ouvir lições ministradas por um jovem professor. Como já não se faz mais alunos como antigamente não é novidade dizer que passamos por uma verdadeira tortura chinesa. No nosso primeiro dia de aula, de meio turno diário, sentíamos estar pagando pecados de natureza grave. Média ou levíssima, não eram. De certeza, cumprindo um o que aqui se faz aqui se paga, conseguimos levar os ossos intactos até a final sineta passando a pronto para a primeira aula. Depois, para comer a massinha que seria a segunda aula, preparamo-nos para enfrentar o jovem mestre com o espírito mais armado. Sentados numa daquelas incômodas carteiras escolares, tentando fazer do limão uma limonada, levamos uma agenda e uma lapiseira para analgésicos rabiscos. Foi assim que durante o desenvolvimento da aula, procurando uma forma de passar o tempo, redescobrindo, então, o tal drible ao enfado, escrevemos a crônica da semana passada. De sobra, como fruto da terceira aula, como assunto para uma próxima crônica, mudando de tática, passamos a contar, do início ao fim da aula, o número de vezes que nosso jovem mestre repetia a palavra “EU”. Assim, no estilo queremos ficar cegos se faltarmos com a verdade, computamos esse triste e antipático pronome pessoal reto da primeira pessoa do singular por sessenta e três vezes, por fração de cinco minutos. Coisa, como se vê, de deixar até psicanalista em parafuso. Nesta altura dos fatos, sem informar a quantidade total de “EUs” pronunciados, já que as aulas tiveram várias horas por três dias, só à altura em que foi gestada esta crônica, contabilizando direitinho foram pronunciados mais de quatro mil (4.000) vezes o nefasto pronome. Pior que isso só aqueles “NÉÉÉÉÉs?” usados como muletas nas constantes entrevistas radiofônicas. Três palavras e um “NÉ?” Três palavras e um “EU”... La nave vá... Pode? Bem, por Deus! Não pensem que estas linhas têm sabor de vingança... Embora tenha sido!

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