Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

domingo, 27 de abril de 2008

Destinos

O Seu Alcidezinho foi famoso como relojoeiro na cidade. Sua primeira pergunta de cunho profissional ao cliente com o relógio emperrado tinha três partes: Este relógio caiu no assoalho, no chão duro ou na areia? Frente a qualquer das respostas vinha à luz, invariavelmente, sempre o mesmo diagnóstico: - Então, enredou o cabelo... E, assim, não havia surpresa nenhuma quando um gozador saía com uma sugestão de colocar um pouco de glostora, de óleo de mocotó ou da seiva fervida de babosa, para ver se a máquina desempacava. O relojoeiro ficava amuado, mas não repugnava o ministério se atirando com suas ferramentas ao conserto da máquina. Fuçando daqui e dali, fosse ou não fosse o cabelo, cada vez que um relógio botava para funcionar o cliente saía elogiando, cada vez mais aumentando a fama profissional do Seu Alcidezinho. Mas, deixa, que certa feita, a compostura de relógios andou por baixo e o nosso amigo teve que inventar um bico para sair da situação. Deu-lhe na telha, pois, de fazer baile de campanha. Tudo num belo salão de leiva que construiu para tal fim, lá no Passo do Simão, bem ali na entrada do Corredor da Dona Bibica, meio de esguelha com a venda do Telista. Num dos bailes, lá pelas tantas da madrugada, com o lampeãozinho Colemann afiadíssimo, como ele mesmo dizia, depois de um check up, e os pares levantando a poeira do chão batido, ele notou que uma rapaziada dali mesmo do Passo fazia algazarra em tom de deboche. Não deu outra. Irritado, pede para o Planchão parar a gaita de botão em que fazia dupla com o Bernardo ao violão. Pôs bem no centro do salão uma barrica de rapadura que ganhara na venda do Miguel Aliodes, subiu nela e começou um interminável discurso em que descascarreava os moços inconvenientes. Súbito, o Nenê do Abílio, de conversa com o Volmer, debochando do chazinho, deu uma gaitada, a todo pulmão, que ressoou pelo salão. Foi a deixa para que do discurso em que falava no benefício que o divertimento de um baile fazia aos pobres, o Seu Alcidezinho se enfurecesse soltando impropérios ainda hoje impublicáveis. Foi tamanha a virulência do discurso e os pulos que ele dava que a barrica acabou desfundando. Baixinho do jeito que ele era só ficara aparecendo seu corpo dos ombros para cima. Na ridícula posição em que foi parar, tendo as pernas e braços imobilizados, de dentro da barrica lançava aos circunstantes um olhar de súplica por socorro. Em sua ajuda uma boa alma teve a idéia de virar a barrica. Deu certo. Ele se safou rastejando, fazendo senha e gritando para os músicos: Dê-lhe uma valsa. Aquela do Pedro Raimundo... Depois, ante as perguntas que lhe faziam sobre o incidente do baile - cumprindo um destino inexorável - ele acomodava a resposta: - Aquele baile não foi nada disso. Ele tava que era um relógio, com o cabelo bem azeitadinho...

Doutores

Determinadas expressões que foram corriqueiras num passado não muito distante, ditas hoje, decerto, nos causariam estranheza. Também determinadas palavras fazem parte deste rol de coisas fora de uso. Estão aí, por exemplo, fazer nome ou, mais propriamente, nome feio. Outra, fazer arte. Como se dizia, mesmo? Que guri arteiro... Isto sem se estender muito e ficar apenas nas expressões. E as palavras? Mambira, mascamba, boko moko... A primeira nos remete para os tempos em que nos desfiles de Sete de Setembro apareciam na cidade os nossos conterrâneos da campanha. Quem diz que a blusa daquela mulher combinava com o vestido? Aquele verde estranho misturado com um amarelo berrante, justamente defronte o Altar da Pátria... Como ela é mambira! E a calça de correr pinto em banhado que aquele lá está usando, que despautério... E aquele de botas e bombachas que desceu do ônibus? Como é esquisito. Como é mascamba! Como é boko moko o fulano usando aquela volta ao mundo cor-de-rosa (não existia a expressão pink para essa cor) com uma calça de tergal boca-de-sino... Tudo com direito ao espelhinho, ovaladinho com moldura de plástico verde musgo, e o pente da marca Flamengo no bolso transparente da camisa. Gasosa e espírito, então, estas chegam a doer. Era assim que nossos avós chamavam ao refrigerante, perdão, o refri e o álcool. E quando um guri se entonava? Lá vinha a taxação: Como tá doutor! Pois, certa ocasião, o Seu Donor, passando por uns probleminhas de reumatismo, procurou o consultório do Doutor Dionísio atrás duma poção, daquelas da Pharmácia Maciel. Esperando ser atendido ele, vigilante, cuidava a carroça que estacionara no fio da calçada. Justo quando o médico abriu a porta para atendê-lo o cavalo, embora maneado, inquieto, teve de ser cabresteado numa árvore do outro lado da rua, na calçada do Mojinho. De lá o Seu Donor voltou renegando com o animal, já quase entrando no consultório, dizendo: Que alimal que tá doutor... Foi o que bastou! Não chegou a consultar dada a reação do Doutor Dionísio: Olha, ô Donor, vai consultar então com o teu cavalo. E deus as costas...

Redação

Naqueles idos dos anos cinqüenta, do século passado, a nossa Estação Rodoviária estava estabelecida na Avenida Visconde de Mauá. Na esquina onde, até pouco tempo, foi a Livraria da Gia. O concessionário era o Seu Hermógenes, avô do Plínio e o agente o Seu Chico Balbi, pai do Dilermando. Os ônibus tinham como itinerário, quando vinham de Pelotas, em direção a Jaguarão, a estrada que passa pelo Parque Guilhermino Dutra e dobravam numa estradinha que passava onde hoje está a Capela da Santa Casa. Daí, pela Dr. Monteiro até dobrarem na altura onde hoje se encontra a nossa primeira (e única) sinaleira. Uma das empresas se chamava Delgado e a outra a Frederes. A primeira, depois, foi trocada, se não me falha a memória, pela atual Rainha, à época com o nome de Princesa. A Frederes tinha umas limusines, uns baratões, as vans de hoje. A Rainha, de então, teve como motorista, e depois fiscal, o Seu Indalécio. Como eram raros os táxis, ou carros de praça, como eram chamados, havia vários maleiros. Também, não sei se eram poucos os táxis, ou se eram muitas as malas. Mas, para nós, guris, valia a pena ver o Seu Agapito com seu carrinho de mão, o João Barbela com a sua carrocinha e o Alvim Caminhão no muque, mesmo, carregando as bagagens. As partidas para Jaguarão tinham como saída a Rua da Igreja, descendo até a Sanga do Cilinho para alcançar a nossa velha Ponte (que os caminhões de grande calado estão destruindo). Caramba! Por que esta crônica se arrasta, assim, tão preguiçosa e tão parecida com aquelas composições de terceira série primária? Puro rodeio. Rodeio para contar que foi por essa época que a Onila (o nome é fictício, mas é muito parecido) inventou um tratamento médico na vizinha Jaguarão. Dia sim, dia não, lá estava ela, na porta da Estação, aflita, olhando em direção à sinaleira que ainda não existia, esperando o ônibus do Seu Indalécio, já fiscal, dobrar na esquina. Mais esperando o fiscal do que o veículo, diziam. E, se não há exagero na história, contam, um dia, a Onila, toda pintada, empoada, oxigenada e em cima dum sapato de salto dez, pronta para por o pé no estribo e entrar no ônibus, com a passagem na mão, em súplica sincera, pede: - Andalécio, por favor, me bota na frente... O motorista deste ônibus faz dias que me põe atrás eu já ando toda doída. Levou. Si non é vero...

Meus Tipos

Diomésia. Tinha, também, o apelido de Biruta. Figurinha miúda, tronco magro, pernas cambotas e cabelos brancos à moda sura, com se fosse um menino. Nariz helênico, levemente apapagaiado. Olhos baços, cinzentos, a noticiarem que eles foram verdes na sua juventude. Na boca pequena nunca ninguém viu uma nesga de sorriso. Nunca ria. Parecia estar sempre de mal com a vida, embora seu olhar denunciasse o contrário. Nenhum adereço a enfeitar seu manequim. Nada nos cabelos, no pescoço, nos pulsos, nos dedos... Compartilhou um terreno com o Guanaco, como era chamado o Adeodato Velho, naquela esquina onde o Doutor Roquete veio a construir sua casa. Figura pitoresca que, para sua perambulação diária pelas ruas da cidade, usava vestidos de cor verde. Viveu sem ter sido jamais vista com outro tipo de roupa ou outra cor que não fosse essa. Usava uns sapatinhos maria-mole - pintados de verde - em combinação com o resto do figurino. Vivia de donativos. Em uma época que não havia indigentes, duas ou três casas de famílias abastadas supriam as suas necessidades. Raramente carregava alguma coisa nas mãos que não fosse a sua niqueleira. Só com a chegada da velhice foi que se apoiou em um pequeno cajado. Já então não saía mais de casa. A Diomésia era um dos passatempos da garotada. Inticávamos com ela que, braba, muitas vezes investia com pedras contra a zombaria. Os adultos também se aproveitavam para tirar uma casquinha quando a chamavam de Biruta e implicavam com a altura dela, com a cor das suas vestes, dizendo que estava parecida com uma caturrita. Davam-lhe namorados. O chiste não lhe agradava como não agradava nenhum dos consortes que sugeriam para lhe fazer par: Era o Maneca Louco, o Caminhão, o João Barbela, o Cotó... Aí, sim, ela entristecia. Ficava amuada, com um filete de ruga, de cada lado da boca, descendo pelo queixo cheio de fiozinhos brancos. Não lembro qual reação tomava quando contrariada pelos mais velhos, mas, seguramente, não lhe acudia a mesma fúria que usava contra nós, os moleques. Deixou-nos ainda na década de sessenta. Partiu vestida de verde, evidentemente.

Borracheira

Tempos atrás, quando a nossa Arroio Grande era bem menor, o lixo era retirado das ruas por carroças puxadas a burros. Para este trabalho a Prefeitura mantinha os animais tratados e alimentados pelos próprios funcionários lixeiros, dos quais, hoje, lembro a figura miúda do seu Loretinho. Invariavelmente, mal iniciada a coleta, o veículo do Seu Loretinho, que era muito pequeno, enchia e logo tinha de ser descarregado num aterro, perto do arroio, lá para os lados do Perau. Certo dia, quando a Dona Isabel Dutra fazia limpeza no pátio do seu Sobradão, não querendo esperar pela carrocinha do lixo, contratou o Feliz Peru, pessoa pitoresca da cidade, para puxar os entulhos num carro-de-mão. Quando o carrinho fazia ainda a primeira carga e o Feliz Peru estava prontinho para partir, a Dona Isabel pediu que ele desse uma acomodada na carga, para esvaziar um vidro com butiás, usados num curtido com canha. Ajeitada a carga, com os butiás bem em cima, o Feliz tomou o rumo do arroio. Já ao dobrar a rua ele passou a mão num dos butiás, deu uma mastigada e gostou. Gostou tanto, tanto, que butiá após butiá, tocou com o carrinho rumo a sua casa, destino bem distinto do lixão, onde deveria descarregar o entulho. Morava naqueles umbus grandes que existem até hoje na entrada da Ponte Velha. Chegando em casa, no seu peculiar caminhar de dez pras duas, nem deu assunto para os de casa, só encostou o carrinho numa raiz de umbu. As Peruas, como também eram chamadas as suas duas irmãs, donas-de-casa, assistiram à chegada do irmão e ficaram esperando no que ia dar, acostumadas que estavam com as cenas que ele patrocinava, permeando biscates com trago de caninha. Mas, vai daí, a limpeza no pátio aumentava o entulho e o Feliz Peru que havia feito apenas uma carga não voltava com o carrinho. Saíram à procura. Primeiro no arroio das mulheres, depois no Perau, onde a Prefeitura fazia aterro. Nada de Feliz, nada de carro-de-mão. Até que tiveram a idéia de ir onde ele morava. Foi tiro dado, jacu deitado. Entre as altas raízes dum dos umbus, com o carrinho cheio de lixo, ainda, e rodeado de carocinhos de butiás descarnados, dormia em plácida borracheira o Feliz Peru. Dormia como guri pequeno.

sábado, 26 de abril de 2008

O Cantor

O Festival de Calouros que relembro aconteceu na Praça da Matriz, no início dos anos setenta, defronte ao Prédio da Biblioteca Pública. Muitos festivais e muitíssimos cantores se apresentaram para revelar talentos que se tornaram conhecidos na cidade. Um destes artistas, que foi famoso nestas paragens, tinha o nome de Atanásio. Atanásio Gantes, “El Gantecito”, como era apresentado, quando subia ao palco. Teria, naquela época em que procurava mostrar suas qualidades, a provecta idade de setenta anos, para mais. Na sua simploriedade apresentava velhas canções conhecidas com letra de sua autoria. Ingênuo, pobre de espírito, pensava receber aplausos enquanto as vaias e a gozação campeavam frouxas a cada música apresentada. Não havia, de verdade, naquilo que cantava uma nota musical que casasse com a outra, nada de tons, nada de melodia ou ritmo. Até no nome das canções havia aquele delírio que só a demência justificava: A Dama de Vermelho era a principal e as variantes traziam os nomes de Dama de Preto, Dama de Branco, Dama de Azul que se sucedia em damas nomeadas com as cores do arco-íris, todinhas. Nada ele trocava senão a cor da dama. Outra música que ele cantava sempre era uma marcha-rancho furtada ao Bloco Girafa da Cerquinha, de Pelotas. Quando ele dizia que a girafa estava maluca, a expressão ta maluca, ta maluca, ta maluca, se espichava por mais de trinta vezes, tudo em meio ao riso da platéia (aqui a expressão platéia é grifada em itálico por que ninguém de fundamento, mas ninguém, mesmo, assistia ao festival; puro eles os que se prestavam para aplaudir, sem pena, os deficientes se expondo ao ridículo). Neste festival o Atanásio se apresentou com uma roupa à altura do seu talento, confeccionada especialmente para a ocasião. Eles, os bandidos, compraram alguns metros de tecido astrakan, cor-de-rosa, na recém inaugurada Loja do Balaco. Perdeu-se no tempo o nome da profissional que costurou, com um tecido daquela cor, um casaco e uma calça de pernas boca-de-sino. O pobrezinho, no palco, sob a iluminação, não tinha diferença nenhuma da ave aquática chamada de colhereiro. Passado o evento o nosso cantor, aos fins-de-semana, continuava a desfilar com a roupa de artista e a faixa à espera de uma oportunidade para cantar. À espera de um próximo festival. E, quando chegava a época deles, dá-lhe desafios, dá-lhe indagação pelas novas composições que eram sempre as mesmas e dá-lhe treinos do gogó pelos bares e esquinas. Seu Atanásio tinha uma olaria, lá para as bandas do ora Bairro Promorar. Velho, ainda trabalhava na faina de fazer tijolos. Sua família resgatou-o do abandono no fim da década e levou-o para morar na Capital. Nunca mais fizeram festivais de calouros com a excelência dos que ele participava. Nos festivais pontificaram outros talentos, muitos outros, mas, a faixa de melhor, tiveram eles paciência, sempre foi parar no peito do Atanásio. Eu, hein?

Porco Preto


Esta história é do tempo em que o Posto de Saúde estava estabelecido onde hoje é a Ótica Karisma. O Fiscal de Saúde era o Seu Dega Goz. Diariamente ele ia ao Matadouro para carimbar a carne. O abate era feito no Matadouro do Tuca, lá para os lados da antiga Cooperativa. Mais precisamente na propriedade do Seu Abílio, onde existem, ainda, as raízes dos velhos umbuzeiros. Carneavam-se os animais e os miúdos eram dados para quem tivesse a paciência de ir lá pegá-los. Uma pessoa que sempre ganhava as fressuras, às vezes um mondongo, outras as patas era a Dona Sarinha, viúva cheia de filhos, moradora daquela redondeza, mãe do Cisco. Para tanto, ela destacava o Cisco para o Matadouro e de lá ele voltava sempre com algum presente para garantir o rango da família. Numa feita, carneava-se um enorme boi – enorme para mim que era pequeno? – e o Cisco impaciente à espera dos miúdos incomodava os trabalhos. O Seu Dega, esperando o fim de tudo para depois colocar o carimbo, assistia a faina e o incômodo que o Cisco causava na volta dos carneadores. O Tuca, paciente, já havia pedido para ele se afastar para a sombra das árvores. Mas, ele, mesmo assim, continuava incomodando. O Seu Dega, que não estava gostando nadinha da novela que o moleque patrocinava, perdeu a calma. Foi ríspido quando se dirigiu ao Cisco: Para de incomodar, guri. Tu até pareces filho daquele porco preto do Tuca. E apontou para o enorme porco que, se chegando, também, com o cheiro do sangue, fuçava não muito distante deles. Foi dizer e o guri deitou o cabelo em direção a sua casa, choramingando, por terem ralhado com ele. Ora, naqueles idos, em que não existia a Avenida Maria Pereira das Neves, havia um corredor que da cidade ia em direção ao Porto. Era a estradinha do Porto, como a chamávamos, único acesso da cidade à chácara do Tuca. E, neste caminho, com frente para o norte, a casinha da Dona Sarinha que esperava, com as mãos na cintura, pela passagem do Seu Dega, tudo para tirar uma satisfação. Dito, ela ataca o Fiscal e exige dele uma retratação: De onde ele tiraria provas de que o Cisco era filho do Porco Preto do Tuca. E cheia de razão, insistia: aprova, aprova que eu não sou uma viúva decente, falador. O Seu Dega ficou mudo sem conseguir consertar a ralhação que fizera. O Cisco, escondido, sem ter trazido nenhum miúdo para a bóia, só ouvia a lenga-lenga. Depois, na escola, por certo tempo, tentamos brincar com o Cisco. A Dona Sarinha veio até o Vinte e botou bronca. A coisa ficou meio esquecida. Meio, claro, por que sempre que tenho oportunidade pergunto a ele sobre o porco preto... Bem baixinho pra ninguém ouvir...

Presentes

Não foi só uma vez, nem duas, que o Adão Bidiva ganhou de presente as cabeças de vaca do Seu Lindinho. Sempre que carneavam lá na estância vinha de presente para o Adão a cabeça do animal. Era, então, que ele preparava o braseiro do fogão para usar o forno. Manhã inteira, desde cedo, e a cabeça se aprontando para o final e delicioso deleite. Vai daí, que o importante nesta história é contar, também, os muitos ressentimentos que o presente, embora bem vindo, sempre trazia ao Adão. Assim, isto ocorreu por anos a fio, a cabeça de vaca era entregue sempre pelo Elsi, o capataz, que vinha lá de fora para a cidade especialmente para este fim. Mas - tinha que haver um mas -, o presente chegava sem a língua que, todo mundo sabe, é uma iguaria. Esta, de certeza ficava pelo caminho, fosse por que o doador a aproveitava, fosse por obra do capataz surrupiada em meio ao destino. Mas, como pra burro dado não se olha o pelo, cabeça após cabeça, iam sendo assadas sem a língua, mesmo. Afinal, se aproveitavam outras partes, etecetera e tal e a coisa fluía na sua normalidade. Não se tocava no assunto, e fim. Porém, um dia, o capataz chegou à cidade e, antes da entrega, tendo um contratempo, pediu a um peão que o acompanhava para fazer a entrega do presente mandado pelo Seu Lindinho. O peão, para tirar a sua casquinha resolve, antes de entregar a cabeça ao Adão, tirar também os miolos. Desta feita que contamos, o Adão Bidiva, sentindo que a coisa tinha passado da conta e chegado a um limite insustentável, se emborcou: Podiam levar de volta que assim como o presente vinha ele não mais o queria. Pois, a partir da estrilada do Adão o presente passou a chegar inteirinho, inteirinho, com língua e tudo. Uma verdadeira maravilha. Até hoje, se era obra do doador originário, ou do capataz, ninguém ficou sabendo, mas, como o Adão contava, as queixadas passaram a ser apenas lucro. Puro lucro.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

O Enfarte

Domingo de verão. Cancha dos Bonneau. Década de 50. Desde cedo da manhã a Verruga, camioneta do João Rodrigues, fazendo corridas, carregando gente até a cancha. Desafios de mais de dois meses com arremates no Café do João Ticató, na tarde do Sábado. O cavalo do Xandoca tinha o nome de Apache, viera do Povo Novo e correria com o Baio do Aquilino. Antes do pleito principal os outros arremates. A última, a carreira grande, fugindo ao costume de correr às duas da tarde, estava marcada para as seis horas, bem antes de o sol entrar, com desempate combinado para a manhã do dia seguinte, o que aumentaria as expectativas e as apostas. O churrasco, naqueles bons tempos, com tudo patrocinado pelos desafiantes, tinha como acompanhamento uma salada campeira e cerveja, que vinha gelada da cidade, em desabaladas correrias, num fordeco Modelo A, com carroceria, do Lauro Hernandez. No local havia uma carpa que o João do Cantalício montara em sociedade com o Papaco onde vendia gasosa e uma caninha que fazia sucesso na época e era chamada de Atitude. O dia corria bonito, como nunca - dentro da carpa, o truco; fora, o jogo do osso, rolando solto, à sombra dos eucaliptos - quando, quase ao meio-dia, ouviu-se aquela gritaria, lá para os lados da carpa. Corre daqui, corre dali, alguém estava passando mal e já providenciavam socorro. Deveras, o Constantino, que fizera lastro para o churrasco, alternando rodelas de lingüiça com caninha, se engraxara cedo e jazia deitado num banco, com os olhos esbugalhados, espumando pela boca, irreconhecível, numa ronqueira que inspirava cuidados. Esperava traslado para a Santa Casa. Parecia enfarte, derrame, decerto algo grave, devido às evidências... Lá chegado o doente, bem examinado pelo estetoscópio, mais o exame rigoroso de pálpebras, veio à luz, num ataque de riso do Doutor Dionísio, o diagnóstico: Borracheira!!!... O Constantino, depois de chamar o hugo, tinha juntado do chão a dentadura e a colocara invertida. Foi só destrocar a prótese inferior pela superior e ele melhorou na hora. Passada a broma, o único prejuízo foi não ver o Baio do Aquilino perder mais uma das carreiras em que foi assinado...

Encrenca


O Cabeça, açougueiro, cortava carne com precisão no peso. Um quilo, e ele, na batata, largava o corte em cima da balança, sem erro de grama. Dificilmente não acertava. A não ser que se lançasse um repto duvidando da maestria dele. Aí, sim, ele embravecia e o corte não dava mesmo o quilo certo. Poucos se animavam a toureá-lo quando atendia na venda da carne. De certeza, provocado, pedia briga. Um dia, o Otacílio da Currucha foi comprar guisado e, já da porta do açougue, mal entrando, com cara de deboche, cutuca a onça com a vara curta: - Me dá um quilo de guisado, e vê se hoje não erras no peso... O Cabeça, imperturbável, sem dar a mínima atenção ao pedido, passa a mão na chaira, senta o fio da faca e começa a falquejar a maior costela que estava em cima da banca. Depois de descarnado e limpo o osso, sem largá-lo, faz a volta no balcão e acerta com ele uma paulada na cabeça do Otacílio. Depois, várias, pelo lombo, por onde caísse, até ele fugir, todo lanhado, disparando rua afora. Podendo silenciar sobre a sova, e ir para casa, o Otacílio preferiu dar com os costados na delegacia de polícia, todo queixoso e doído. O delegado de então, o Seu Orocil, em virtude da infração penal, lavra uma notificação chamando o agressor para prestar esclarecimentos. Comparecendo, o Cabeça não negou as pauladas. Mais deixou claro que repetiria a dose se o Otacílio voltasse a provocar. Criado o impasse, e não querendo o Delegado abrir inquérito – sabe como é? Cidade pequena, tudo amigo... -, tentou uma jogada de malandro: Chamou à Delegacia, então, o ofendido. Com o lombo ainda inchado, como soía, ele volta, ansioso por novidade contra seu desafeto. Mal adentra ao cartório, já foi o Delegado dizendo: Que papelão me fazes, Otacílio! Chamei o Cabeça aqui e ele me garantiu que foste tu quem bateu nele, que ele foi a vítima, tudo diferente do que declaraste. Explica isso, vamos! Ao que o Otacílio, com ar de valentão, enchendo o peito, e aceitando a bomba, replicou: Ah, dei! Dei e tá bem dado... E podes me processar!...

O Profissional

O Alcidezinho, que sempre tivera a profissão de serviços gerais, sem nunca deixar de sonhar com uma profissão especializada, um dia, com um enorme esforço, buscado no recôndito da sua inteligência, aliado ao esperto Instituto Universal, formou-se na profissão de relojoeiro. Bacharelado, ele expõe o diploma, por várias semanas na vitrine da Casa Americana, do Rocco. Daí, ao sucesso, foi um pequeno passo onde nunca faltaram exibições profissionais. Uma delas, que foi muito comentada, a invenção de um sistema para uso na bicicleta. Consistia num relógio despertador que, fixado ao guidão, sonava a campainha toda vez que ele brecava o veículo numa esquina. Outra, era um relógio que não tinha o ponteiro dos minutos e o mostrador era todo dividido, de dez em dez minutos, através de tracinhos entre as horas. No entanto, embora já um profissional respeitado em conserto de relógios, alguns dos antigos compromissos, com os antigos clientes, ele não abandonara. Anualmente, perto da primavera, ele fazia uma limpeza geral no jardim da Dona Zaida Albuquerque. Era sagrado o compromisso. Chegado o finzinho do agosto lá se apresentava, com a enxada, o ancinho, vassoura, pazinha do lixo e o carrinho-de-mão. Levava, ainda, um cartaz em que estava escrito: “Eu continuo relojoeiro” que fixava num canteiro, para evitar a brincadeira dos moleques grandes, que viviam perguntando: “Ué, Seu Alcidezinho, mudou de profissão?”. Religiosamente, finda a limpeza do jardim, retirava o cartaz, juntava as tralhas e voltava para a sua relojoaria. Depois, só se houvesse enchente no arroio é que dava uma descansada, com o conserto de relógios. Tudo por que as águas, que não avisavam quando vinham sempre invadiam sua casa. O contratempo, que o obrigava a retirar toda a família da casa, não o removia de perto de sua ferramenta a qual mantinha dentro da casa, enquanto as águas da enchente não baixassem. Sucedia nessas ocasiões, ele cozinhar com água pelo meio do fogão, sempre agüentando firme, não arredando o pé da casa, dos relógios, das suas ferramentas. Quantas vezes o Alcidezinho perdeu o humor com os curiosos que iam até a beira do arroio para ver a altura das águas... Quantas vezes? Também, quem ia aturar os gozadores perguntando para ele, que estava no telhado da casa, depois do almoço, com o cano do fogão fumegando: “- E aí, Seu Alcidezinho, quando é que parte o vapor???” Era demais, era demasiado cruel e ele xingava. Com razão ele enchia o peito e xingava, com sua voz fanhosa, mandando a todos que fossem para a praia que os pariu!!!.

Sputnik


No finzinho da década de cinqüenta reinavam no nosso mundo turfístico, como melhores parelheiros, os cavalos Foguinho, tostado, do Seu Jacinto e o Suez, um malacara do Aldirinho da Minda. Os outros, eram os outros... Estes, não... Estes davam sota e basto e, quando corriam, muita luz nos adversários. Foi nesse tempo que o Herculano inventa de se associar com o João e o Manoel Rodrigues, na compra de um cavalo zaino, lá do Povo Novo, rebatizado de Sputnik, tudo num bem engendrado plano para dar fim ao favoritismo dos dois melhores que havia nas canchas, até então. Tratadores a postos, controle de peso dos jóqueis, tudo nos conformes, acertaram uma penca na cancha reta da granja do Seu Joaquim, lá nas Capoeiras. Deixa estar, que os proprietários do Sputnik, contrataram como jóquei para a esperada corrida, o Luis da Filhota, daqui da cidade - mas operando com um sucesso enorme nas canchas de Jaguarão e Rio Branco, já há um rol de anos - tido como um dos melhores da região. Como nestas bandas não vigora o costume de realizar a corrida grande às duas horas, e em sendo primavera, à época do desafio, com dia ainda curto, a largada se daria lá pelas quatro, quatro e pouco do relógio. Pois, o trio de proprietários, encabeçado pelo Herculano, resolve dar um doping no zaino, horas antes, para garantir vitória. Vindo de Pelotas, o Major, um alarifaço que sempre andava por estas canchas, estuda o animal e as reações da picada que levara. A achando que ele assimilara bem a dose, resolve dar outra injeção. Deixá-lo pronto para enfrentar a reta dos trezentos metros. Já no partidor, foi uma luta a largada, dada a inquietação do Sputnik para se parar na caixa e, subida a fita, já na arrancada, ele destrilhou, cego, cego, em direção a uma corticeira que havia hás uns cinqüenta metros, para o lado da pista, se pranchando no segundo andar dos galhos da árvore. E lá ficou. De cima do cavalo, tiraram o Luis da Filhota, de olhos fechados e enroscado como mulita quando se defende do perigo. No desfecho, o jóquei foi levado para a Santa Casa e atendido pelo Dr. Karan. Esquecidos do destino do Foguinho e do Suez, os donos do Sputnik, dada a broma, caminhavam nervosos pelo corredor do hospital à espera de uma boa notícia, já que tudo poderia redundar numa vítima na pessoa do jóquei. Foi quando, aberta a porta do ambulatório pelo Irineu enfermeiro, o Herculano pergunta: - Como ele tá? Tá bem o Luis? Óia, diz o Irineu, o susto passou com o calmante que o doutor deu. Já está desenroladinho e teso em cima da maca, mas não entrem agora que vocês vão se arrepender... Tá um cheiro... Tá horrívi lá dentro...

Meus Tipos


Dia desses um incauto apareceu no Armazém Pingüim à procura de isca para isqueiro. Atendido pelo Darci do Lino, um dos proprietários da casa, com toda a delicadeza que um bom caixeiro deve aos fregueses, foi informado que, no momento, estavam em falta do artigo procurado. Mas, que, seguramente, na Ferragem Vianna, ou na Ferragem do Dallarosa ele encontraria iscas. Para ir nesta primeira casa informada, da esquina do armazém, apontando o dedo, com o braço estendido, para o prolongamento da Rua Gumercindo Saraiva, o Darci deu as coordenadas ao freguês: - O senhor só vai dobrar esquina uma vez, preste bem atenção: Vá sempre pela calçada do outro lado, passe o Cabaré da Dona Cizica que fica na outra quadra, depois, andando mais outra quadra, já naquela outra esquina, passe o peixe do Pedro Calaveira e atravesse a rua; siga, passe pelo Bar da Colota e vá até a esquina da venda do Olegarinho. Aí, sim, dobre e vá até a quadra do Grupo Escolar “20 de Setembro” - atravesse a rua em diagonal e, antes, chegue à venda do Paulinho de Quadro, aproveite para tomar uma gasosa Guaraci, ou uma “17”, bem fresquinha, para espantar o calor. Depois, sempre reto, vá até a casa do Graúdo, bem defronte à Casa Yolanda do Seu Moisés, e estará frente à ferragem. Ah! se o senhor for atendido pelo João Gago, diga que foi o Felipe do Seu Oscar, um amigo dele, que o encaminhou... Para ir à Ferragem Vianna - a alternativa -, ele apontou com a mão na direção da Zeca Maciel, sempre chamando a atenção que só havia uma dobra de rua. Que ele seguisse por essa calçada até a quadra onde está a bomba de gasolina do Seu Lindinho, defronte à Casa Extra do Seu Virgílio, e continuasse até a outra esquina, do Armazém do Aymoré. Então, dobrando, passasse a quadra da Loja A Gloriosa, do José Macksoud e, antes de chegar à Loja A Brasileira, do Castelhano Pablo Marcelino, bem defronte ao Hotel do Branco, está a ferragem (que deveriam vender, e bem baratinho, o que ele procurava). Como era uma tarde de Sábado, se a casa não respeitasse a semana inglesa, ele seria bem atendido pelo Seu Ceci. E que fora informado... A outro freguês, que procurava mecha para lampião a querosene, estando a ferragem em falta, ele informou - fazendo um mapa numa folha de papel de embrulho - que quem vendia uma variedade ímpar de mechas era a casa comercial do Seu Izidro Peres: que ele seguisse por esta rua (a Zeca Maciel), passasse a quadra da Companhia Telefônica, mais a quadra do Ambulatório do Seu Teófilo; depois a quadra do açougue do Cabeça, até chegar à venda do Hernandes, confronte à Pharmácia Maciel. Aí (e olhava para o interlocutor para ver se ele prestava atenção. Prestava...), aí, dobrando para a direita, passando a casa da Adolfina, onde o Edmundo Añaña tem uma loja que vende bicicletas, ele atravessasse a rua e andasse até chegar num campinho onde está armado, neste mês de fevereiro, até o carnaval, o Circo do Chimbica, bem confronte ao Consultório do Doutor Karam... É ali. Dá pra aturar? Dá?...

Leão da Vila Foot-ball Club

No Princípio era o Verbo…? Não, não. Antes, eram os bailes do Celedino, pai da Carola e os da Dona Chiquinha, mãe do Julinho do Pedetê. Local dos bailes? Vila São Gabriel, à época em que ela só tinha um corredor que atualmente é a Rua Borges de Medeiros, bem mais alargada. O acesso se dava pela estrada do Porto, hoje engolida pela Avenida Maria Pereira das Neves. Sempre às tardes de domingo. Tinham, em ambos os bailes, lá pelo meio da tarde, as polcas da vassoura e a do verso. Naquela, o dono, com uma vassoura na mão, virada o cabo para baixo, batia-a no chão de terra batida do salão. Quando parava era a hora dos pares se trocarem. Admirável a ingenuidade dos moços de então (à vista dos de hoje éramos uns abombados)... Mesmo assim, já na chegada ao recinto, dávamos um jeito de ver onde estava colocada a vassoura. A partir daí cuidávamos o momento em que ela era buscada e nos posicionávamos perto das moças desejadas, e bem escolhidas previamente. O moço do par que se atrasasse levava a multa de não dançar as próximas três marcas. Tempo suficiente para roubar-lhe o par até o fim da brincadeira, sem dar chances (as feias que nos perdoassem, mas não iríamos nunca, nem mortos, juntar a fome com a necessidade de comer). Na outra modalidade de polca havia um outro tipo de castigo aos moços: faziam-se e refaziam-se os pares, e sempre restando um moço que deveria por multa dizer uma trova, a cada marca, para pegar, então, a moça que sobraria. Nesta troca, para dizer o versinho, procurávamos nos posicionar, também, perto da mais linda. Tudo muito bem decoradinho. Foi num destes bailes da Dona Chiquinha, com o piso já pedindo uma aguinha para baixar o pó entranhado nas narinas, com quase todos os pares consolidados, que o Tité, dançando já meio cansado da moça que escolhera, para poder dizer um verso debochado, inventou de sobrar. Num canto do salão o Alcides Furão, que nunca dançava, quieto, como era o seu jeito, a tudo assistia atentamente. Ele era presidente, tesoureiro, massagista, guarda-esporte e dono da sede do famoso time de futebol Leão da Vila, primeiro time de subúrbio da cidade (o técnico era o Julinho do Pedetê). Tinha o apelido de Furão, por conta de seu nariz adunco, o que deu mote para a glosa lascada pelo Tité: “Alecrim da beira d’água/não se cria de raiz/nunca vi moço bonito/com três palmos de nariz...”. Não prestou. A carapuça já existia há séculos e o Alcides não se fez de rogado. Vestiu-a. Num agarra daqui, agarra dali, terminou o baile e o baile ía em direção à casa do Castelhano Pereira, com a coisa osca para o lado do versejador. Foi com a turma do deixa disso agarrando o ofendido, que pedia briga, e numa saída parecida com a do Camerini tirando o band-aid que pusera na cara do Doca, que o Tité, também ainda agarrado, berrava sentenciando o Furão: Não jogo mais no teu time... Tu não sabes brincar... Não jogo mais no Leão da Vila!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Meus Tipos


O Cubatão e o Santo eram grandes companheiros de pescaria. Nos sábados e feriados, de forma sagrada, o Santo tirava a sua carrocinha do galpão, atrelava a ruaninha, e - pernas pra que te quero - pegavam o rumo da estrada do Porto. Tralhas na carroça, davam uma parada na padaria do Seu Martim, para comprarem o pão e a mortadela, fiambre que era bancado alternadamente. O Cubatão, de compleição baixinha e gordo, sempre sério, ranzinza, como era da sua personalidade, não cumprimentava ninguém e só falava a muito custo. O Santo era mais graxa, não só não se importava com a bílis de ninguém como também dele o azedume passava a léguas. Com todos conversava, ria, cumprimentava, levantando o relho, mostrando os dentes, fazendo os ibarrarrás, naquela sua eterna alegria. Este era para se dizer, sem errar, pessoa de bem com a vida. Aquele meio belicoso com o mundo. Um era, sem sombra de dúvida, e de maneira inexplicável, exatamente o contrário do outro, mas, mesmo assim, eles se entendiam no más, ou, até demais. Um dia, quando a compra do fiambre era por conta do Santo, mal ele desce da carroça, justo saía da padaria a Dona Emília, mãe do Bidiva, que lhe cobrou: - Afinal, Santo, e os peixes que tu me prometes, quando chegam? Faz anos, hein? Caçoou. Resposta, gritando para meio mundo ouvir: - É hoje, minha velha... Hoje a senhora ganha um jundiá para o ensopado, e, se enquadrando, uma traírinha pra fritar... Hoje a lua tá boa e misturada com a mão e a sorte do Cubatão... Disse, olhou para o companheiro, entrou na padaria, comprou os pães, e, surpresa! Quando voltou para a carrocinha, cadê o Cubatão? Olhou para o lado e viu o companheiro, já longe, voltando para casa com caniços, lampião e o resto dos avios. Deu cara-volta e alcançou-o, perguntando: - Que bicho te mordeu, homi de Deus? O Cubatão, casmurriento, sem diminuir o passo, devolveu: - Ué!, nós nem cheguemo a sair pra pescaria e tu já tás dando os peixes!!! Cansei!

sexta-feira, 18 de abril de 2008

A Vila da Palha


A Vila se estendia por toda aquela suave curva que nasce nas Três Marias e tem seu fim na Chácara do Aquilino. Por que da Palha? A explicação mais lógica seria pelo arranchamento que existia, com casas de barro e santa fé, desde onde nascia a hoje Avenida da Saudade e, encordoado como contas de um rosário, terminava lá no alto. O casario era por um lado só de calçada e tal se explica pelo fato de pertencerem à chácara do Aquilino as terras do outro lado da rua e ele nunca ter cedido ou vendido terrenos da sua propriedade. Desse lado, apenas a casa do Seu Pipi, O Aguateiro. Mais nada. Pelo lado dos arranchamentos, o primeiro bar naquela rua, hoje avenida, foi o do Nestor Crochi, numa casa de material, destoante dos ranchos. Na encruzilhada, onde hoje ensaia uma escola de samba, se localizava o rancho do Dininho Sete Quadras, bem perto da casa do vizinho Ursulino, da casa da Candinha. Foi quando a Vila já estava perdendo o seu pitoresco nome que nasceu, bem no alto, o famoso Cabaré da Teixeirinha, também conhecido, por um largo período, como Planeta dos Macacos. Na Palha, com suas três estrelinhas esculpidas na fachada, o primeiro armazém naquela zona, de propriedade do Seu Pompílio. Também tiveram certa fama, quando as casas de alvenaria começaram a descaracterizar a Vila, a Churrascaria Cavalo de Aço, do Felipe e o inesquecível Bar da Noca. Pois, foram ali, nas Três Marias, os melhores comícios que a população assistiu. Isto, enquanto a zona foi considerada o finzinho da cidade. Foi num comício ali na Vila da Palha que o Pedro Bitencourt fez reviver, referindo-se a um adversário medalhão da política local, que assistia aos discursos, a expressiva frase: É contigo mesmo, calça floreada. Neste mesmo comício, em que o Pedro estava com toda a corda, ele dizia três ou quatro palavras e o Cabana e o Aloi, que eram adversários, só para esculachar o discurso, lá das beiradas, gritavam: - Olha a Escola Rotary!!! Olha o incêndio da Escola Rotary!!! - alusão que faziam por que o Pedro defendia, à época, os acusados de um incêndio no prédio da escola. O orador, depois de muito escutar, já de saco cheio, pediu aos assistentes do comício que abrissem um caminho que havia adversários com vontade de se manifestar. Foi abrir a passagem e, desde o palanque, surgiram as figuras do Zé do Julião, Chinelo, Timotéo, e outros correligionários... Ai, menina!... Aquela quadra onde está a fruteira da Sirlei ainda era vazia e cercada de arame. Deu prá ver e conhecer os cobras mandadas em ridícula disparada... Noutra feita, ainda naquela zona, o Lauro Cavalheiro, num comício da ARENA, inventou de cumprimentar o Arthur Bachini, à época Deputado estadual pela sigla. Para surpresa, sendo comício de adversários, o Lauro vai até o palanque deles. Quando o Bachini estendeu as mãos para o abraço que imaginava fraternal, o Lauro, mesmo cercado de correligionários do Deputado, deu-lhe uma estrondosa bofetada. Tudo sem explicação nenhuma. Coisas de Política nos inesquecíveis comícios da Vila da Palha.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

"Vila da Palha"


Na próxima edição do Jornal Meridional, histórias da "Vila da Palha", seu moradores, seus tipos e um comício, que virou lenda na cidade.

A propósito, vocês sabem onde fica a "Vila da Palha" aqui em Arroio Grande?

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