Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Caro Juninho

Creio que a mensagem recebida pelo nosso amigo, ontem, em que dizes ser ele incomparável, tem sua gênese numa janta no segundo piso do Clube do Comércio. Sentei à mesa contigo e a Verônica. Vocês, lembro bem, ficaram de costas para as mesas onde colocariam o buffett. Lá pelas tantas, eu, de lado, apreciava a chegada dos acepipes que estavam sendo postos à mesa. Já o nosso incomparável amigo J.A., para seu deleite, estava de cara com uma incalculável quantidade de travessas, pratos, e tinha chegado a hora de nos servirmos daquele verdadeiro banquete. Lembras? Foi aí que começou a bobagem: Não lembro qual de nós começou a série de adjetivos que aplicávamos ao amigo. Depois eu prometi que aumentaria a série. Pois bem, além de incomparável, creio que ele era também afável, amável, incurável, indomável, durável, louvável, inegável, notável; e, de certa forma, pecável, embora nunca palpável, visto que a ocasião não se apresentava viável. Provável, até, penetrável, não no momento já que este, como já disse, era altamente sociável. À mesa, depois, constatamos que o amigo não era vegetável pela forma como atacou o churrasco e o assado de leitão. Mas, foi considerável a sua performance: insaciável, potável, inabalável, impecável e indomável; indecifrável, deleitável, incalculável, inatacável e como se constatou, um gourmand apreciável, ademais de incobrável. Creio não estar exagerando ao traçar um perfil tão saudável de um amigo não menos inimaginável e inexorável... Respeitável e incontestável prócer citadino: inseparável, irrecusável, recomendável, responsável, inesgotável, inevitável, sempre presenciável, suportável, disciplinável, venerável e de todo adorável. Poderíamos, já que achas ele imaterial, acrescentar outros atributos sem nos afastarmos dos sufixos que tão bem se prestam para cobrir figura tão indispensável. Dizer que ele é indomável, seria pouco. Não resta dúvida termos como amigo um cidadão namorável, pelo que elas dizem... Inescrutável, também. Irremediável, irrecusável, memorável, ponderável, inalcançável, estimável, tolerável, consolável, insuperável, inseparável (ao mesmo tempo beatificável com cara de separável – ele tem hora para chegar em casa, etc... E tal...), ponderável, perdurável, observável, razoável, indeletatável (aqui um neologismo), insondável, invariável e incomensurável. Vimos, depois, após os birinaites, que ele se mostrou quase inflamável. Impagável como disseste. Indeclinável, de estômago às raias do interminável e impermeável e inacabável e insaciável. Inconsolável, quando já não cabia mais nada no seu memorável ser. Mas, se isto fosse tudo, seria pouco, pois, o imaterial e agradável amigo não deixa de ser, ainda, apreciável e formidável quando nos brinda com a sua companhia. Será ele instável, mudável, implacável, inimitável, inexplicável por ser imaterial? Ou será ele investigável, invulnerável, inalterável por ser violável. Pô, Juninho, realmente o J.A. é imensurável... Isso, sem qualifica-lo, no nosso jargão profissional, como um grande amigo impenhorável, inalienável, mas comunicável... Abraço incomensurável do simploriável Arnóbio.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Os Cafés
Para o Juca Ramos da Silveira
Por aqui eles se chamaram por vários nomes de fantasia: Café do Ticató, Marrocos, Capri, Café do Sadi, Central, Atlântida, apenas para consignar algumas designações. Foram famosos os do Manoel Português, de nome Marrocos e o do Tritri, cujo nome não me vem à memória. Sei, de me contarem, evidentemente, que o prédio onde todos eles funcionaram teve existência graças ao Dr. Hélio Mariante, abastado pecuarista, figura apaixonada pela nossa terra, pelas nossas coisas e pelo cotidiano da cidade. Foi numa gestão dele como presidente da Sociedade Rural que nasceu a ideia de construir um prédio de dois pisos: no segundo andar a Sociedade Rural e, no térreo, um grande salão próprio para comércio. Mesas com tampo de mármore, um vasto balcão e, segundo a lenda, ao ecônomo do Café, o aluguel era simbólico: resumia-se a conservar o prédio, apenas. Não, apenas, não. Havia como trato de honra uma incumbência: nada de ir perguntar a um frequentador que sentasse a uma mesa se ele precisava de alguma coisa. Havia garçom para observar os sinais de pedidos de cafezinhos, ou outra bebida qualquer. Em resumo, frequentador assíduo podia sentar e o ecônomo ou o garçom estavam dispensados da célebre pergunta: - O que o senhor vai querer? Sentar às mesas era apenas para conversar e trocar ideias. Discutir turfe, futebol, política, ou qualquer coisa, ou nada. Chegar, sentar, e ali ficar a divagar sem ser importunado para que gastasse. Sentar e ficar ali (se quisesse), o dia todo, da manhã à noite. Belo gesto o do Doutor Hélio! Beneficiando a todos fizera um Café praticamente á sua custa, para o seu deleite e o das pessoas que ele gostava de ver desfilar pelas mesas. Bela figura o Doutor Hélio: secarrão, pouca conversa, eternamente pensativo... Transparecia ser a figura mais cheia do mundo. Aparência, apenas. Por dentro um cidadão bom de papo, fino trato, um gozador entre tantos a frequentar diariamente o convívio daquelas mesas. Moços, nós, tínhamos um respeito reverencial pelo Doutor Hélio. Já um colega que era mal educado, arrastava propositalmente a cadeira ao sentar-se, se pudesse arrotava alto e, alto, também, soltava traques. Pedíamos que ele não se comportasse desse jeito. Que ele respeitasse os frequentadores, principalmente quando estivesse presente o Doutor Hélio. Isto, entrava dia e saía dia, o colega repetia seus maus costumes sem dar-nos ouvidos. Mas, quis o destino, certa feita, que este colega montasse um escritório rural para remates de gado em geral. Instalado o escritório, que faz história até os dias atuais, buscava o nosso amigo e novo comerciante por clientes nos anúncios publicitários, no tête-a tête, nas boas recomendações dos pecuaristas locais. Enfim, sonhava com o sucesso de sua empreitada enquanto nós, seus amigos, ficávamos na torcida também. Num belo dia, estávamos à mesa do Café quando, recém chegando o nosso amigo, antes de vir sentar-se conosco, ouvimos o Doutor Hélio dirigir-se a ele: - Guri! Vem aqui... De pronto pensamos nalgum sermão, pelos seus maus modos – o que ele bem merecia... Nada disso: – Olha - disse o Doutor Hélio -, quando fizeres a primeira feira, vem falar comigo que eu vou vender uns bois no teu escritório. E, rematou: - Não negocio gado em feiras que não seja com gente daqui... É tapa com luvas, que se diz?

sábado, 22 de outubro de 2011

Meus Tipos

Hoje, lendo Thiago de Mello, mais precisamente o livro A Lenda da Rosa, dei com os costados num poema e dele transcrevo um excerto: ... – E para sempre – entre os homens,/ a sina do amor é dar-se/ inteiro e cada vez mais/ reflorindo de si mesmo,/ para florescer no além,/ não importa que esse amor/ seja abraçado ou magoado./ Nenhum amor é perdido. Ora!, vô e vó, pai e mãe, filhos, irmã(o)s, namorada(o)s, companheira(o)s, amiga(o)s, todos fazem parte desse rol de amores que tocam e embelezam a nossa vida. No geral, temos todos, alguém que amamos, que nos ama; que amamos e não nos ama e, sabe-se que existe, e disso não temos culpa, alguém que nos ama e nós nem sabemos... Enfim, o tema é atraente e triste dependendo do tipo, do gênero, da espécie – sabe-se lá se o amor tem tipo, espécie ou gênero ... Mas, aqui e agora, como dizia aquele famoso guru da nossa geração, o Aldous Huxley,na sua A Ilha, me vem à lembrança três figuras pitorescas que tenho quase certeza, não conheceram o amor. Nós, os velhos do aqui e agora, ainda trazemos nas retinas cansadas as figuras pitorescas da Madinha, do Alvim Caminhão e do João Barbela. Todos chamavam a nossa atenção por terem parecenças. Coisas em comum, muitas coisas em comum, até. Nenhuma delas foi vista um dia com um alguém. Nenhuma sabia ler ou escrever e, quando se comunicavam, não íam além da construção de frases com quatro ou cinco palavras. Nem conseguiam entabular uma conversa que passasse de duas frases e, neste caso, nenhuma delas com sujeito e predicado. A primeira figura morava com o casal da Dona Celina e o Seu Idílio. Ele era cobrador de mensalidades dos nossos clubes sociais e sua mulher lavava roupa de moradores prósperos. A Madinha era a entregadora das roupas e, neste afazer, com muitas trouxas de roupa equilibradas na cabeça atravessou a cidade. Baixinha, calada, alegre e sempre sorrindo, talvez por não ter tido inteligência suficiente para dar um bom-dia ou um cumprimento, por mais simples que fosse. E todos a cumprimentavam à passagem que era sempre pelo meio da rua, nunca pelas calçadas. Outra figura, com características quase idênticas: o Seu Alvim, que era maleiro na Estação Rodoviária e entregador de encomendas. Poucas palavras faziam parte do seu vocabulário, tinha uma imensa dificuldade na construção de frases e perguntava ou respondia aos interlocutores através de monossílabos. Dele já falamos quando traçamos um pequeno perfil e o seu relacionamento com a comunidade. Dificilmente pelas calçadas. Sempre o meio da rua... Outra figura foi a do João Barbela. Tinha ele uma pequena carroça com rodas de ferro e a usava para fazer pequenos carretos, carregando lenha, malas - quando eram muitas e o Seu Alvim não dava conta -, enfim, coisas como comprar e revender garrafas vazias em depósitos de bebidas para receber uma changa. Lembro que o calçado comum deles eram sapatos velhos que usavam em forma de chinelos, sempre maiores que os pés, acalcanhados, rotos. Ainda, por coincidência maior, nunca se viu um deles sequer, entrar em casa por uma porta da frente. Sempre, intermitentemente, às chegadas ou saídas, faziam uso dos portões das suas casas. A Madinha, entrava e saía por um portão que havia no terreno da casa do Seu Idílio, na Rua Gomercindo Saraiva, sítio onde vivia esta família que a acolhera. O Seu Alvim entrava e saía na residência que o acolhia por um portão que dava entrada de serviço ao Hotel do seu Chico Bonneau, pela Rua Visconde de Mauá, hoje avenida. E, por fim, sempre entrando e saindo por um portão, junto com a sua carrocinha, o João Barbela, que morava com o Seu Marcelino, proprietário da Fármácia Maciel. O portão ficava na Rua Zeca Maciel, defronte à Liga Operária. O portão sempre foi uma tônica na vida destes que eu chamo carinhosamente de Meus Tipos e que povoam a minha lembrança. Quem lembra deles? Teriam eles amado alguém? Foram amados? Chegaram a se declarar a alguém? Viveram e morreram com algum amor incubado. Ah! Falem baixinho... Se forem falar de amor... Aqui deste alpendre, lá ao oeste, no encordoado das coxilhas, o sol cai nos braços da noite. A Madinha, o Alvim e o Barbela nunca caíram nos braços de ninguém? Nem nunca amaram?

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Meus tipos

O Gilberto Alves foi uma das pessoas mais alegres e brincalhonas que conheci. Era funileiro e latoeiro naqueles tempos em que o plástico ainda não tinha invadido nossas vidas. Canecas, bacias, calhas e uma série de objetos, que hoje encontramos em matéria plástica nas prateleiras das lojas, saíam de suas mãos, em folha de flandres ou zinco, com um perfeccionismo impressionante. O Gilberto era mais conhecido pelo seu apelido de Picão. Sempre tinha uma história engraçada para contar e quando a iniciava, já sorrindo, preparava a gente para o seu desfecho hilário. Mesmo quando um causo merecia seriedade ele inseria, sério evidentemente, aquela graça que cativava os ouvintes. Figuraça. Um desenho... Nas suas histórias, quando os olhinhos brilhavam, podíamos esperar que vinha chumbo, e do grosso... Foi um dos melhores amigos do Papaco Velho. Juntos aprontaram à vontade e cultivaram a irreverência por esta terra do Irineuzinho. Desses dois, uma das simploriedades que mais apreciávamos era um ajudando o outro a relembrar as comemorações pelo fim da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente o discurso do Seu Miguel Aliodes. Contava o Picão que, quando noticiaram a Paz, o povo foi para as ruas fazer o carnaval de sempre. Justo nesse dia, o 14 de agosto, o Prefeito Mário Correa inaugurava um gerador a diesel na Usina. E foi depois de cortar a fita que o povo se manifestou, num púlpito colocado na esquina sextavada do prédio. O Seu Miguel, que era desembaraçado para qualquer coisa, pediu a palavra e lascou um discurso: Quando Mussussolini (o Duce) invadiu a Missisalbânia (Abissínia), em el año de mil ciento e siete... Nesta altura da louvação havia a intervenção do Papaco para dizer que, fazendo as contas direitinho, havia um erro de data de oitocentos e tantos anos. Mas, o discurso inflamado prosseguia: Em esta hora, em esta hora, yo quisiera ser la gran cachorra de la Inglaterra para pisotear los alemanes y para dar una mordida no calcanhar del Japon... E se entusiasmava o Seu Miguel exibindo a sua careca: Yo quisiera... Yo quisiera... Do jeito que discursava ele deixou a bola quicando, quicando... Quando repetiu Yo quisiera... pela terceira vez, lá do fundão, sabe? O castelhano Espanton, entrando de gaiato completou:Uma peluca hermosa... E detonou o célebre discurso que ficou gravado, até então, na oralidade, como uma das mais bonitas peças do anedotário da nossa aldeia.

domingo, 16 de outubro de 2011

Meu Diário.


Por que ninguém entendeu aquele meu devaneio de dias atrás? Teria sido uma infeliz referência inspirada naquelas andorinhas do Becquer e que acabou alojada no diário do Gogol? Uma navegada que começou com a leitura de um poema do Byron e escorregou para os versos e as rezas do Michael Quoist? Ou foi a lembrança daquela quermesse... Lá no Porão do Colégio das Irmãs. Lá em cima, na Coxilha do Fogo. Foi. Recordo aquele telegrama todo carinhoso que mandei. Falava da minha admiração e citava o Roberto Carlos. Também, pudera... Ele era a coqueluche da época e a música que dediquei falava em me aquecer no inverno. E qual foi a resposta? Qual foi? Que eu fosse junto com o tudo mais para o inferno. Ah! Mas eu continuei insistindo, naquela noite. E, não contente com o fora que estava levando, paguei para prendê-la. Vi que passava algemada para a cela e que seu sorriso tentava adivinhar quem era o seu algoz. Depois, eu mesmo, ante o medo que outro admirador se aproveitasse do ensejo e a tirasse da cela - quem tem, tem medo... - paguei pela sua liberdade. Voltou para a mesa onde estava, ao lado da minha. De costas um para o outro e eu ouvindo os comentários. Ela, querendo saber quem era o admirador secreto. Eu, fazendo conta de cabeça. No recinto havia um alto-falante, lembram? Não? Também, faz tanto tempo! Tanto... Foi quando eu resolvi mudar de tática. Afinal, na conquista, mesmo o exagero se torna mínimo. E eu, tendo que ousar ao máximo, sob pena de me arrepender, se não o fizesse, apelei para uma dedicatória. Música italiana... Não, não foi Se piangi, se ridi. Não foi essa, não. Essa eu guardo até hoje, inédita, sem ter tido a oportunidade de usá-la... Teria sido Roberta? Ou Non ho l’età? Lembrei!!! Foi Al di là, do Perícola, cantada pelo Jerry Adriani. Sei, sei, ela também me arrepia. Até hoje me arrepia... Três vezes o alto-falante anunciou: para a moça de tubinho azul calípso, com o maior carinho... Agora, vêem no que deu? Não há mais quermesses, não se prende nem se dedica música por alto-falantes e não há mais telegramas - nem os de verdade, os dos Correios e Telégrafos. A ingenuidade, junto com a quermesse e o vestido tubinho, morreu há séculos... Mas ela, com todo o respeito, continua deslumbrante quando caminha pela Doutor Monteiro. Ma-ra-vi-lho-sa!!!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Dona Margarida

Uma das lembranças mais marcantes que carrego comigo é a pessoa da Dona Margarida. Dona Margarida dos Gansos, por apelido, pela quantidade destas aves que ela criava, soltas, a campo, como se diz. Defronte à sua moradia (a crase eu pus por implicância), numa das esquinas, a Casa de Cômodos, ou puteiro - como queiram - do Zé Cavalieri, que além de proxeneta também era alfaiate; noutra, a casa da Dona Menininha, que vendia lenha. Todos vizinhos. A Dona Margarida tinha dois filhos: o Leandro e o Pajá. O primeiro morreu quando eu ainda era menino, não guardei uma lembrança clara dele, mas, o outro, até bem pouco existia e foi figura folclórica e benquista na cidade. Lembro, como se fosse hoje, das orações que ela fazia nas suas benzeduras para cobreiros, verrugas, conquistar amores inatingíveis, andaços e dor de dente, entre tantas. Muitas vezes fui à sua casa (vou por crase antes do pronome para continuar inticando com os versados no vernáculo) em busca de uma benzedura para a espinhela caída. Depois de curado, em retribuição, como paga ao restabelecimento, levava um maço de cigarros Havaii ou Tufuma, já que ela não cobrava dinheiro e só recebia presentes. Vale dizer que eu sempre melhorava com as suas rezas. Quando a benzedura era para a espinhela caída ela media a gente com um barbante. Era assim que ela estudava seus pacientes: se a extensão que existia da ponta de um ombro ao outro não conferia com a medida da ponta do dedo mínimo até o cotovelo, a espinhela estava caída. Para a cura ela fazia diferentes orações de acordo com cada estágio da doença, e que dependiam da gravidade do caso. Havia horário para as benzeduras e todas eram sempre de dia, antes do sol se por. Mandava a gente segurar um objeto de ferro para começar a lamúria: - Espinhela caída, ventre derrubado, eu te ergo, eu te curo, eu te saro, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, da espinhela caída estás curado! Certa vez, ela me mandou embora sem benzer a espinhela por que as extensões ombro a ombro e ponta do dedo mindinho ao cotovelo estavam iguais. Ela achava que era quebrante. Falha humana, dela... Eu bem que sabia o que era... Dessa tiriça só fui me curando depois que mudamos de casa - para bem longe da vizinha mais gostosa que já tive! Foi por esta época que nasceram os meus primeiros e rudimentares conhecimentos de medicina: Que o choque anafilático de vizinha boa com adolescente é um veneno para a espinhela... Para o quebrante, então, é um porrete... Mas, me curei, Graças ao Bom Deus! Não sem antes muitíssimas colheres diárias de Wa-Ka-Mo-To e óleo de capincho no feijão. Coisa braba, guris, é ter a idade do macaco!!! Depois, só voltei na Dona Margarida quando tive azia pela primeira vez. Sempre foi tiro, e queda: agulha, linha, um pedacinho de pano, o Espírito Santo... Costurando enquanto lamuriava baixinho a reza. Enquanto ela viveu, nunca mais tive azia. Das simpatias, para ser correspondido pela amada, lembro uma que ela fez especialmente para mim: Três penas de qualquer passarinho, três pétalas de rosa de qualquer cor, bem embrulhadas em um papel branco. Carregar trocando sempre de bolsos por sete dias. Interessante que este amuleto eu o encontrei dia desses, sem uso, ainda, novinho em folha (ou em pétalas), dentro de uma gramática de latim que eu não abria há quarenta e tantos anos. Acho que ele não faz mais efeito... Sei não... Vou guardá-lo para alguma precisão. Quem sabe?... Dizem que velhos são os anos! (2011, outubro, Dia da Criança)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Hino do RS - Nunca vi tantos ga�chos juntos tocando o nosso hino (tudo cola-fina)

Bergamotas & Colas Finas
Para o Júlio Quevedo

Enaltecidos os feitos farroupilhas, ao troco de muita gineteada e fumaça, recomeça o reinado dos colas finas. Saem a bota, a bombacha e o chapéu para dar lugar ao tênis, à calça jeans e ao boné. E, mais um ano passará sem que o gaúcho se pilche de cultura para descobrir quem verdadeiramente ele foi. Mas, mesmo assim, valeu. Valeu por que nossas festas, a cada ano que passa, se apresentam mais bonitas e mais emocionantes. No entanto, de tudo isso, fica uma indagação: O que é mesmo ser gaúcho? Eu, por exemplo, que nunca usei botas, ou bombachas, sou mais, ou sou menos gaúcho? Naquele início de festejos, quando as autoridades estavam todas pilchadas, e assistíamos à abertura da semana com a nossa roupa de sempre, éramos todos gaúchos? E aquele amigo à cola fina, cantando o hino riograndense, tão bem vestido naquela hora, no meio da gauchada? Seria por causa da roupa menos gaúcho? Não, certamente para mim, não. Até por que canso de vê-lo no trabalho de botas embarradas, bombacha bostiada, laçando, curando bicheira, dando sal ao gado, tropeando e tudo o mais fazendo na sua profissão de criador. Decerto, por inversão de valores, justo ele, o único verdadeiro gaúcho ali, despilchado, não estava sendo visto pelos seus pares com bons olhos. Afinal... Mas, e aquele guri de brinco? Será que ele preferiu não se pilchar só para não tirar o brinco? Ora, quem diria que chegariam ao ponto de hostilizar quem usasse brincos. No entanto, o gaúcho de antigamente usava brinco, era sujo, descalço, borracho, barba sempre por fazer e não usava roupa por baixo do poncho. Nossos primeiros gaúchos, estão aí os escritos, tinham vida errante, peleavam por um dá cá aquela palha, eram em sua maioria bastardos, párias, sem compromisso com nada e geralmente vagabundos. Para quem quiser checar estas linhas estão aí Paixão Cortes, Barbosa Lessa, Sérgius Gonzaga, entre os nossos. Fernando O. Assunção, Saint Hillaire, Felix de Azara, Nicolau Dreys, entre os de fora.

domingo, 9 de outubro de 2011

Devolvi - Núbia Lafayette e Nelson Gonçalves

Quem é de quem?

Esta crônica, desde já aviso, há de ser interativa. Os leitores estão, pois, convidados a ampliá-la. O título? Ora, quem não sabe. Somos sempre de alguém, sempre. Quando não de algo. Gente que é de gente, lugar que é de lugar, qualquer coisa que é de alguém ou alguém que é de qualquer coisa, enfim... Principalmente morando na cidade do Adão da Cizica, que morou na Coxilha do Fogo, defronte ao campinho onde pastava o Cavalo do Graúdo. Sim, quantos de nós cruzamos a Rua da Morocha ou zombamos do Basílio da Bicicleta, quando se engraxava? A lista é grande e sozinho eu não dou cabo dela. Preciso urgentemente de uma mãozinha e sei que haverá interessados pela tarefa de embelezá-la. Vamos lá, você que não quer esquecer quem é de quem, nesta província. Lembra do Censinho do Euzébio, do Jadir do Menandro, do Dário da Célia, do João do Pereca, do Adão da Cizica, da Lota do Budanha, do João do Vida, do Gilberto da Tica, do Jesus da Dércia, do Toninho do Agripino, do Gilberto do Ataídes, do Valter do Hernandez, do Adão do Oscar, do João do Cantalício, do Sérgio do Venâncio, do Gordo do Jacinto, do Jorge do Fueed, do Chico da Carrucha, da Dininha do Maneca, do Boró do Graúdo, do Adão da Pepita, do Zé do Julião, da Piola do Ondino, da Pepa do Hernandez, do Zé da Coxilha, da Piola do Ondino, do Adão do Mário, do Lulu da Tetéia, do Darci do Lino, do Paleca do Dega, do João do Diquide, do Paulo do Picão, do Sérgio da Judite, do Luís do Lindinho, do João do Tuca, da Noêmia do Deca, do Dega do Oscar, do João da Colota. Tudo tem dono, ou tinha, nesta terrinha. Já vi uma menina dizer que tinha uma amiga que trabalhava de babá na Rua do Maneca, aquela que passava também na Escolinha da Atília. O pai dela era um homem que tinha oficina na Rua do Vinte, a que passava no Buraco Quente. E por aí seguia a explicação que só prestava para aumentar mais a imaginação. Temos, também, coisas que são de lugares: Cancha dos Bonneaus, Vila da Palha, Chácara do Aquilino, Granja dos Conceição, Depósito do Amarilho, Terreira do Tanajara, Hotel do Zoca, Avenida do Amor, Cancha do Branco. Gente que é de coisa e coisa que é de gente: Paulinho do Engenho, Caminhão do Antônio, Luís dos Burros, Macaco do Ernesto ou a Égua do Bidoca. Socorro!

sábado, 8 de outubro de 2011

Tirando de letra...

Nossa amiga, graças à grande amizade que mantemos, liberou esta história para ser contada. Sem nomes, é claro! - Coisas que só acontecem comigo... – dizia ela. Mas, vá! Já estando ela em idade provecta, mesmo assim, não pára de ganhar afilhados. Agora, que não os cria mais, eles rondam a sua casa, aparecem em busca de carinho. Às vezes se oferecem para algum serviço de varrer o pátio, ou um mandalete até o mercadinho, coisas desse tipo. Em suma, dum jeito ou de outro eles borboleteiam à sua volta. Tanto borboleteiam que, dia desses, um dos mais velhos dos seus afilhados bate à porta de sua casa em busca de um favor. Vinha aflito e a razão de seu estado estava nas frases de um bilhete escrito em folha de caderno. Chegara á casa e não encontrou viv’alma. Da mulher nem rastro... Só um inusitado bilhete cujas letras, não tendo ele aprendido a acolherar, o obrigavam a comer pela mão dos outros. E, para estes casos, ninguém melhor para ele que a sua querida madrinha. Ela lhe diria, certamente, com o maior prazer do mundo, o que estava escrito naquela folha deixada no criado mudo do quarto. Foi, pois, com esse intuito que o afilhado foi ter com sua protetora. E o bilhete, em silêncio, evidentemente, foi lido: “ – Cansei... – estava escrito. - Não agüento mais viver ao teu lado. Fui morar com aquele teu primo. Aquele que tinhas ciúmes, lembras? Ele é bem cheirosinho e delicado. Muito diferente de ti, que não me dás a importância que mereço. E, além de tudo, não suporto mais esse cheiro de fumaça, de rancho com lenha ardida em fogão que tu tens... Adeus, nunca mais... Não espera por mim... Me esquece...” Tendo lido e relido o conteúdo do bilhete, a madrinha, embasbacada com aquela folha de papel na mão, não sabia o que dizer ao afilhado. Longos segundos se passaram enquanto os olhinhos do infeliz a olhavam curiosos, aguardando o fim da leitura. – Olha – diz a madrinha, por fim. – Acho que tu não deves te preocupar. Tua mulher deixou dito que foi passar o fim de semana com a tia dela, em Pelotas. Deixou comida na geladeira. É só aquecer. Diz que segunda-feira, ou terça, estará de volta. Deixou beijos e abraços. Nesta altura dos acontecimentos a madrinha, fazendo tempo enquanto pensava no que mais dizer ao afilhado, completou a leitura do bilhete: Ah! Ela botou aqui que não quer ver a cozinha suja quando chegar, nem a casa desarrumada... Por fim, dobrou o bilhete, bem devagarzinho - sabe lá no que ia dar aquele imbróglio! - e colocou-o na bolsa, por precaução... Madrinha é para essas coisas!... - Não é mesmo, minha amiga?

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Nostalgia

Por acaso, tu lembras que se ouvia muito, desde os alto-falantes do Cine Marabá, aquela música que o Agustín Lara compôs para a Maria Félix? Bem, para a Maria Félix ele compôs muito, mas, a que ainda mexe com a minha lembrança é uma que começa assim: Acuerda-te de Acapulco, Maria Bonita... E por aí vai. Pois essa era a música de chamada do nosso antigo cinema. Ainda hoje, ante a simples lembrança daqueles acordes, dá vontade de perguntar: O teu amor também nasceu naquela sala de projeção? E, foi naquele domingo em que passou o filme Os Dez Mandamentos que ele floresceu? Depois - tempos depois -, entre tão longos filmes tu foi escolher a fita do Bem-Hur, do Spartacus, quem sabe o Rei dos Reis ou Laurence da Arábia, para aplicar o teu primeiro beijo na hoje tua senhora? Só por que eram longas metragens? Cadê a coragem, naqueles tempos, hein? Se tudo aconteceu naquele famoso escurinho da sala, como já apelidaram tal momento mágico, sob o patrocínio dos mais longos e enjoados filmes de então, por que negar? Somos de outra geração onde tudo era tão diferente, verdade? Ah!!! Quem vai se lembrar hoje em dia da dificuldade do primeiro beijo. Só mesmo os saudosistas do Cinema Marabá, como nós. Quem vai precisar de um filme de longa metragem para aplicar um beijo se esse átimo, hoje, dispensa as salas escuras? Se puder ocorrer num tempo menor que o de um comercial de cerveja e se, às vezes pelo que parece, nem é mais num beijo que o namoro começa. Mas que o cinema faz falta em nossa cidade, isso faz. Ao menos para assistir aos bons filmes que passavam naquelas quartas-feiras e que hoje são chamados de Cult. O dono da sala alugava-os para o meio da semana por serem sensivelmente mais baratos. Víamos, assim, graças à sovinice do proprietário, no meio da semana, os bons filmes de Fellini, Dino de Laurentis, Pier Paolo Pasolini, Jean Luc Godard, Ingmar Bergman, Elia Kazan. O fenomenal e inesquecível A Estrada, com Anthony Quinn e Giulietta Masina nos papéis de Zampagnó e Gelsomina passou tão despercebido na tela de uma quarta-feira quanto Noites de Cabíria e Oito e Meio. A Doce Vida - para ficarmos apenas nos filmes do Fellini - passou numa quarta com pouquíssimas pessoas assistindo ao Marcelo Mastroiani e Anita Ekberg na cena do banho na Fontana di Trevi. Mas, vamos deixar isso pra lá, até por que não se namorava muito nas quartas-feiras. Não era dia de beijos, convenhamos, e o escurinho servia mais para a gente bater com os pés quando a fita rebentava e enquanto o Nelsinho emendava o celuloide com acetona para reiniciar a projeção. Chega! Parei. A saudade quando começa a ficar triste vira nostalgia. E não é o caso...

La dolce vita - la fontana di trevi - Fellini - a Napoli

Bon Jovi-Thank You For Loving Me

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Fafá de Belém - Amor da Minha Vida - Especial Roberto Carlos

Meu Caro.

Muito me lisonjeia saber que lês minhas crônicas. Tenho dúvidas se os temas tratados nelas te atraem e certezas sobre a dificuldade que é agradar a todos. Não obstante, não vou fugir dessa linha enquanto houver assunto, já que não mais me atraem as pesadas teses propostas pelas pessoas ditas politizadas. Foi-se o tempo em que ralávamos no Café do Tritri, até altas horas da noite, comentando as catilinárias do Comandante recém descido de Sierra Maestra, através da Rádio Martí ou os discursos do Leonel Brizola pelas ondas curtas da Voz da América. Ainda, confesso com certa reserva, me dá enfado buscar assunto num livro do Antero de Quental, do Régis Debray ou do Sartre ou mesmo ler e comentar as histórias policiais do Poe, do Hawthorne e do Wallace, para depois trocar idéias. Quero bem mais, quero ficar na simplicidade de ler e guardar para mim as aventuras da Miss Marple, do Inspetor Maigret e do Perry Masson que me divertem ou assistir filmes com a Megg Rayan, Nicole Kidman ou a Juliette Binoche. Adeus às teorias do Piaget, do Paulo Freire e do Betinho. Tudo hoje me soa como coisa vã. Se não assimilei os rudimentos de literatura do Sílvio Romero, do Teófilo Braga e do Mário de Andrade não vou entrar em parafuso. Até por que não existem mais a Churrascaria do João Gago, o Bar do Élvio e o Cavalo de Aço, do Felipe, lugares onde sem pudor nenhum partilhávamos essas atrocidades culturais madrugada adentro, não raras vezes em saudosa companhia do Eterno, do Jacques e do Marta Rocha - que Deus os Tem. Tudo passou. E valeu. Mas, é só. Hoje já não há mais idade e pique para enfrentar uma noitada num banco da praça pregando peças em guardas noturnos, discutindo artigos e charges dos atuais similares do nosso querido O Pasquim. Tudo tem seu tempo e para estes assuntos de alta importância novos cronistas estão por aí esbanjando talento. Mas, caro amigo, não entendes, possivelmente, a enorme satisfação que me invade quando enveredo pelas lembranças que guardei da minha aldeia. Pelas bobagens, como costumo dizer, que em ânsia louca procuro ouvir dos mais velhos. Outros andarão por aí, como disse, novos chegarão e aportarão seus barcos nesse cais das discussões importantes. Eu, de minha parte, se me permites, com toda essa tua juventude, com toda essa tua vontade e fleuma de ler assuntos menos leves, vou continuar chateando os meus pares com as histórias daqui onde me criei. Quero ser ilha nesse imenso arquipélago de coisas que ainda quero contar, se para tanto viver. E me encantar em saber que ao fim de uma crônica minha ao menos uma pessoa, só umazinha, num supremo elogio, se sair com este comentário: - Mas que bobagem!!!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A Lista


No início da década de sessenta, não existia a terminologia Gay, que quer dizer divertido, descontraído, solto, na língua inglesa. Tampouco a designação bicha e afins como GLSs faziam parte do vocabulário cotidiano. Quando o rapaz tinha algum trejeito, desmunhecava, ou era muito bem arrumadinho de roupa e acessórios (sabe como é, um pullover vermelho, uma bolsinha leva-tudo, qualquer modernidade? Brinco, então, nem se fala...) já chamavam ele de veado. Pois, nesse tempo, no universo de uma cidadezinha como a nossa, a barbearia era o centro da informação, e da fofoca, naturalmente. A do Olímpio, foi famosa. Pois, quando o Idílio veio morar aqui, o Olímpio deu em implicar com ele. A implicância foi a tal grau que, dizem, o nome dele foi parar num lista de bichas, que o barbeiro confeccionara. Um dia, sabedor da relação em que constava o nome dele desabonando a masculinidade, o Idílio afrontou o Olímpio: - Como é, será verdade que meu nome está numa lista de frescos, que tu tens. Olha – sentenciou - para que tenham na cidade cento e dezoito veados eu estou, então, com três nomes. Vai lá, me mostra essa lista... O barbeiro, salta daqui, salta dali, acabou indo nos fundos do salão e dali - não sem tendo demorado um pouquinho, que desse tempo para apagar o nome do Idílio - trouxe uma lista, com trinta e poucos nomes (já naquela época) e mostrou-a, dizendo: - Está aqui, mas não fui eu que fiz, deixaram por aí e eu guardei... Os nomes eram escritos a lápis e, na verdade, o nome do Idílio não constava. Leu-a e entregou-a ao Olímpio que voltou a guardá-la lá na outra peça, nos fundos, onde estava o seu quarto e cozinha. Antes, tirou o lápis, que tinha aquela borrachinha de apagar na ponta, passou o grafite na língua, e, lá pelo meio da lista, onde tinha um vão, escreveu, novamente: IDÍLIO. Dobrou-a e guardou-a. Bem guardada...

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Gravatá

Perdeu-se no tempo a origem do apelido que lhe deram: Gravatá do Euzébio. Casa noturna que foi ponto de boêmia na nossa juventude. Apenas dizia-se: Vamos pro Gravatá? E, lá, fechávamos a noite dançando com a Maurícia, a Gaveta, a Espada Nua, a Negrona, a Peluda, a Muda, a Maria Vaca, a Farela e outras que não nos vêm na memória, agora. Único lugar na noite onde encontrávamos cigarros Hollyhood, o xodó dos fumantes, por anos a fio, ainda com a marca escrita em letras góticas, bem antes do advento do filtro. No bar, sob um balcão de pedra, havia um poço com água fresca para gelar a Brahma Chopp, cerveja da época. No geral, inverno ou verão, sempre a uma temperatura ambiente, bebia-se, motivados pelo preço, muita cachaça com vermute, num tempo em que ainda não haviam dado com os costados por estas bandas a Cuba Libre e o Samba. No salão, num canto, ao alto, havia uma espécie de gaiola onde ficavam o Filomeno, o Dadinho e o Cláudio Caminhão, os músicos, protegidos das eventuais escaramuças. Na portaria, cobrando a entrada, e também servindo de garçom, o Sencinho, filho do dono da casa. Gerenciando os bailes, o pai, carapinha branca, olhinhos baços, sempre se fazendo de desentendido, eternamente dizendo que não sabia de nada embora nada lhe passasse despercebido. O Gravatá foi palco de inumeráveis brigas patrocinadas pelo Timotéo, Alemão do Julinho, Caco, Alamir, Zé do Julião e outros tantos gigolôs e desordeiros daquele tempo. Brigas entre mulheres encrenqueiras, então... Mortes, também: Duas. A primeira, no meio caminho entre o bar e o salão, numa peça que tinha portas para o quartinho onde o Euzébio sesteava, mataram o Cabo Assis. Quando a polícia chegou ao Salão e perguntou o que acontecera, mesmo com o brigadiano estirado numa grande sangueira, a resposta do Velho foi serena: Não sei meu filho... Foi? Anos mais tarde, quando na porta de entrada o Bidoca matou o Martín Ligeiro, fecharam o peixe para sempre. Contam, nada o Velho sabia nem nada vira naquela noite. Vem daí, por suposto, o costume que é comum na cidade: Apelidar de Euzébio, sempre que alguém desconhece alguma novidade ou incidente. E, somos nós, os antigos daquele tempo, que perpetuamos a lenda de chamar de Euzébio quando alguém se faz de desinformado. Sabiam? Não? 03/10/2011.

domingo, 2 de outubro de 2011

Como Gente...

Criado na campanha, em meio ao encordoado de coxilhas que o tempo esculpiu no pampa, Terêncio vivia, agora, já sessentão, pensando numa aposentadoria que lhe trouxesse conforto. Menos trabalho - pensava ele - e um dinheirinho certo no fim do mês, enquanto tinha saúde, que os remédios - parafraseava: - andavam pela hora da morte! Até já procurara um político amigo que lhe descolasse uma casinha daquelas que os candidatos destinam a seus eleitores perto das eleições. Vai vendo ele era amigo dum vereador que já tinha duas eleições, à custa de presença diária no plantão de socorro, e se preparava bonito para a próxima. Deveria, com toda a certeza, se reeleger com a mesma facilidade das campanhas anteriores. Ah!!! Só faltava a sorte lhe disparar numa olada dessas, pensava, agora que o partido do finado Brizola andava por cima na região... Esperançoso, fazia os seus cálculos para aproveitar a felicidade que viria, por certo, com uma ou duas pecinhas lá na Silvina, ou no Mutirão, lugares do seu encanto, zonas afastadas do barulho, lugar de bastante conhecidos. Mas, sonhando por sonhar, o Terêncio que tinha a idéia de um futuro na cidade não queria descuidar lá de fora, nas Pontas do Chasqueiro, no meio daquela serra, do seu campinho onde estavam os seus interesses e precisava manter o controle do seu gadinho, das suas ovelhinhas que lhe davam a subsistência. Achando-se forte, ainda, acreditava, piamente, ter forças para cuidar dos animais e banhá-los modernamente com isprei, livrando-os das bicheiras, sem descuidar dum salzinho, de vez em quando, para mantê-los brilhosos, gordaços e o rebanho não mermasse. Mas deixa estar que correndo os dias na languidez da paisagem serrana, na vida do Terêncio, também, furingando o amor, ele não descuidou de dar carinho à Mariazinha, achego ali mesmo da vizinhança que tinha lhe dado um lindo filho com toda a sua parecença. Meio escurinho, o guri saíra à mãe, negrinha teatina daquele recanto que há muitos anos chegou a ser um palmar na Airosa Galvão. Menos que palmar, um arremedo de quilombo, de dúzia e meia de criaturas saídas duma estância do Cerro Chato, que por ali se arrancharam com o consentimento de um fazendeiro de ideais farroupilhas - temente a Deus e entonado com o Império - que lhes dera em comodato uma pequena extensão de terra e os acobertou até o advento da República. Pois, ao filho que trazia seu sangue, e que para o Terêncio era tudo na vida, ele carregava como questão de honra, passar a sua experiência, para que o filho se criasse como gente, como dizia, para garantia do seu futuro. Neste tranco, com a chinoca garantindo os afazeres domésticos, e ambos cuidando das questões familiares, passavam-se os dias. Terêncio, sem perder vasa, professorava, em cima do guri, transmitindo tudo que podia e sabia àquele fruto do único e grande acontecimento amoroso da sua vida. Tudo ele ensinava ao menino, que já estava modificando a voz – ora cantando como garnizé, ora engrossando o tom como um galo - nos seus quase doze anos. Nas charlas com o pai ao pé do fogão à lenha botava tenência em tudo o que ouvia da rude e terna filosofia campeira. Entrara tarde na escola, mas, esperto. Logo, logo o piá aprendeu a ler e escrever. Para orgulho do pai ele rabiscou as primeiras notas para levar à venda do seu Basílio, que ficava logo ali, adiante da Nica Chaves, já no segundo ano do colégio. Como calculara o velho gaúcho, o filho estava se encaminhando na vida. E, em cima desse aprendizado da escola, o velho ajuntava conselhos, traçava parecenças, buscava luzes nas histórias gauchescas do velho Blau Nunes, nas mentiras do Romualdo ou nos causos do Navidinha. Tinha, sim, muita filosofia no corpo o Terêncio... Não cansava de ensinar. Sempre insistindo nos velhos ditados e aforismas que fazem escola nesta campanha, neste pampa, neste sul maravilha, onde os portugueses e os espanhóis, brigando e amando, moldaram esta raça crioula, continentina, diferente, indomável e balaqueira. Que pai!!! Perseguindo o sonho de continuar feliz, como até então vinha sendo, não perdia tempo em deitar sapiência ao seu discípulo, sangue de seu sangue, aluno dessa escola bárbara, cheia de chão – e cheia e farta de elementos telúricos – daquele fundão abençoado das Asperezas. Assim, à medida que o menino crescia, o velho lhe mostrava - no quadro verde e grande da natureza... Sala de aula onde os gaudérios aprendem e ensinam... - desde as manifestações mais simples às mais misteriosas dos elementos da fauna e da flora que os cercavam. E o discípulo, a tudo prestava atenção, a nada se distraia. Quando o pai lhe perguntava por que o socó estava lambendo as penas, à tardinha, na taipa do açude o aprendiz prontamente respondia o que aquela cena representava e qual recado estava dando a natureza. Se um lagarto ao atravessar o corredor deixava o rastro da cola serpenteado na areia havia uma explicação e a ela o aprendiz atendia prontamente em dizer a que vinha aquele pequeno aviso. Nada passava despercebido ao aplicado aluno, nada. Gostava de ouvir o pai dando as suas interpretações àquelas manifestações naturais e procurava não esquecê-las. Muitíssimas vezes, o menino matutava nos porquês da natureza por pura vontade de aprender e perguntava: - Por que o gado se achegava para perto do alambrado? E se virava de costas para os lados do Rincão Feliz? Na certa, dizia-lhe o pai, - lá vinha o minuano trazendo os três dias de vento forte, gelado e seco. Se o gado, ou os cavalos, se enquadrassem um pouquinho mais para o sul, lá para os lados da Mauá, mais ao sul, era batata: O vento ia calmar, o tempo ia se firmar, era o solzinho sudoeste ideal para o lagarteio que estava dando o ar da sua graça. Então, quero-quero e cachorro, quando davam sinal, o guri já tirava de letra... Gente? Bicho? Rápido, o recado já tinha sido decodificado. Já ficava à espera por que algum vizinho estava chegando para fazer uma visita ao rancho. Terêncio, com esse maravilhoso correr da vida, com o sonho e a esperança da casinha na cidade, aliado ao ensino que proporcionara ao guri, exultava. Num dia que morria cálido, sentado à soleira da porta, picando o fumo para o baio – palha de milho já aparadinha na orelha -, chamou o filho, de uma forma carinhosa, para perto dele. Agachado numa pedra mó que agora servia de portal da casa o guri esperava assunto, quieto, só ouvido... Então, com uma serenidade nunca vista em seu semblante, e uma ternura infinita, Terêncio pigarreou, olhou o horizonte, deu um suspiro e lascou a sua sentença, definitiva, a cerca de tudo que procurara ensinar: - Filho! Desta pouca sabedência que trago na cachola posso te dizer uma coisa, já que te amo tanto: - Sei que tenho sido duro contigo, mas, é lei simples, que ainda vais ensinar aos meus netos: - Quem dá a bóia, dá o induque!!!

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