Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

sexta-feira, 2 de setembro de 2011


O CHOCOLATE

Quando se juntavam o João do Cantalício, o Molho e o Papaco Velho podia-se esperar que vinha picardia grossa a caminho. Numa feita, os amigos bolaram um jeito de acertar no jogo do bicho na banca do Seu Miguel Goz, pai do Papaco. O Seu Miguel tinha uma fruteira onde vendia bananas, abacaxis e, para aumentar o tutu, bancava ele próprio o jogo do bicho. Nada de centenas, ou milhares. Apenas o bicho, seco, na cabeça, às seis da tarde. Para tanto, de manhã cedo, quando abria as portas do seu comércio, já estava no forro da casa, fixo por um cravador, um pequeno cartão com a inicial do bicho escrita. Era assim: se o bicho escolhido para o dia era o veado, lá no forro de meia água, ficava pregado pelo cravador, o cartão com a letra “V”, à espera do resultado das apostas. Pensando bem, era mole acertar. Bastava o conluio com o Papaco e arranjariam o dinheiro para a farra da noite. O Velho não arredava o pé da fruteira, mas, ao meio dia, à hora do almoço, o Papaco driblaria a vigilância do pai e veria qual bicho estava no cartão para o dia. Assim fizeram. O Molho apostaria o dinheiro que recebera como cozinheiro do puteiro do Pedro Calaveira, o João do Cantalício torraria os pilas que fizera retelhando a barbearia do Berto Lima e o Papaco bisbilhotaria o resultado escrito no cartão. Dito. Era a letra “B”. Só poderia dar, então, pela lógica, ou boi, ou burro, únicos que iniciavam o nome com aquela letra e que concorriam no jogo. Um cravou os pilas no boi e o outro no burro, cercando os bichos. No fim da tarde o Velho, à janela da fruteira, com um lápis do jogo ainda na orelha, e o olhar perdido no canteiro da rua, esperava a hora de fechar a casa. O Papaco, sentado no portal, tomava mate esperando o desfecho da história. Como era a hora do resultado se aproximaram os jogadores. O Papaco cumprimentou-os como se fizesse anos, anos mesmo, que não os via. Contaram até novidades, no afã de enganarem o banqueiro. Mas, não contavam com a quilometragem que o Seu Miguel trazia no corpo (macaca velha, como dizia o Alberto Mendes). Não era por nada, não, que tinha saído da Ásia Menor (com escala na Europa), atravessado o Mediterrâneo, costeando a África para depois, mais de mês na travessia do atlântico, chegar até o porto de Santos e descer até este sul maravilha. Que longo caminho até chegar aqui na cidade e casar com a Dona Benta... Depois dos salamaleques da chegada o Molho, que tinha jogado no burro, entrou na fruteira e atirou as linhas: - Só falta ter dado o tatu, Seu Miguel? O Velho levantou-se, espinha arqueada, arrastou a cadeira para o meio da peça, subiu nela e de lá tirou o cravador com o cartãozinho e a letra “B” escrita. E deu o chocolate: - Não meu filho – respondendo numa mistura da sua língua de origem com a portuguesa, mostrando o resultado: - Que falta de sorte! Deu bestruz, olha aqui! Não tinha cola o capincho...

Nenhum comentário:

Visitantes

Marcadores