Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

domingo, 2 de outubro de 2011

Como Gente...

Criado na campanha, em meio ao encordoado de coxilhas que o tempo esculpiu no pampa, Terêncio vivia, agora, já sessentão, pensando numa aposentadoria que lhe trouxesse conforto. Menos trabalho - pensava ele - e um dinheirinho certo no fim do mês, enquanto tinha saúde, que os remédios - parafraseava: - andavam pela hora da morte! Até já procurara um político amigo que lhe descolasse uma casinha daquelas que os candidatos destinam a seus eleitores perto das eleições. Vai vendo ele era amigo dum vereador que já tinha duas eleições, à custa de presença diária no plantão de socorro, e se preparava bonito para a próxima. Deveria, com toda a certeza, se reeleger com a mesma facilidade das campanhas anteriores. Ah!!! Só faltava a sorte lhe disparar numa olada dessas, pensava, agora que o partido do finado Brizola andava por cima na região... Esperançoso, fazia os seus cálculos para aproveitar a felicidade que viria, por certo, com uma ou duas pecinhas lá na Silvina, ou no Mutirão, lugares do seu encanto, zonas afastadas do barulho, lugar de bastante conhecidos. Mas, sonhando por sonhar, o Terêncio que tinha a idéia de um futuro na cidade não queria descuidar lá de fora, nas Pontas do Chasqueiro, no meio daquela serra, do seu campinho onde estavam os seus interesses e precisava manter o controle do seu gadinho, das suas ovelhinhas que lhe davam a subsistência. Achando-se forte, ainda, acreditava, piamente, ter forças para cuidar dos animais e banhá-los modernamente com isprei, livrando-os das bicheiras, sem descuidar dum salzinho, de vez em quando, para mantê-los brilhosos, gordaços e o rebanho não mermasse. Mas deixa estar que correndo os dias na languidez da paisagem serrana, na vida do Terêncio, também, furingando o amor, ele não descuidou de dar carinho à Mariazinha, achego ali mesmo da vizinhança que tinha lhe dado um lindo filho com toda a sua parecença. Meio escurinho, o guri saíra à mãe, negrinha teatina daquele recanto que há muitos anos chegou a ser um palmar na Airosa Galvão. Menos que palmar, um arremedo de quilombo, de dúzia e meia de criaturas saídas duma estância do Cerro Chato, que por ali se arrancharam com o consentimento de um fazendeiro de ideais farroupilhas - temente a Deus e entonado com o Império - que lhes dera em comodato uma pequena extensão de terra e os acobertou até o advento da República. Pois, ao filho que trazia seu sangue, e que para o Terêncio era tudo na vida, ele carregava como questão de honra, passar a sua experiência, para que o filho se criasse como gente, como dizia, para garantia do seu futuro. Neste tranco, com a chinoca garantindo os afazeres domésticos, e ambos cuidando das questões familiares, passavam-se os dias. Terêncio, sem perder vasa, professorava, em cima do guri, transmitindo tudo que podia e sabia àquele fruto do único e grande acontecimento amoroso da sua vida. Tudo ele ensinava ao menino, que já estava modificando a voz – ora cantando como garnizé, ora engrossando o tom como um galo - nos seus quase doze anos. Nas charlas com o pai ao pé do fogão à lenha botava tenência em tudo o que ouvia da rude e terna filosofia campeira. Entrara tarde na escola, mas, esperto. Logo, logo o piá aprendeu a ler e escrever. Para orgulho do pai ele rabiscou as primeiras notas para levar à venda do seu Basílio, que ficava logo ali, adiante da Nica Chaves, já no segundo ano do colégio. Como calculara o velho gaúcho, o filho estava se encaminhando na vida. E, em cima desse aprendizado da escola, o velho ajuntava conselhos, traçava parecenças, buscava luzes nas histórias gauchescas do velho Blau Nunes, nas mentiras do Romualdo ou nos causos do Navidinha. Tinha, sim, muita filosofia no corpo o Terêncio... Não cansava de ensinar. Sempre insistindo nos velhos ditados e aforismas que fazem escola nesta campanha, neste pampa, neste sul maravilha, onde os portugueses e os espanhóis, brigando e amando, moldaram esta raça crioula, continentina, diferente, indomável e balaqueira. Que pai!!! Perseguindo o sonho de continuar feliz, como até então vinha sendo, não perdia tempo em deitar sapiência ao seu discípulo, sangue de seu sangue, aluno dessa escola bárbara, cheia de chão – e cheia e farta de elementos telúricos – daquele fundão abençoado das Asperezas. Assim, à medida que o menino crescia, o velho lhe mostrava - no quadro verde e grande da natureza... Sala de aula onde os gaudérios aprendem e ensinam... - desde as manifestações mais simples às mais misteriosas dos elementos da fauna e da flora que os cercavam. E o discípulo, a tudo prestava atenção, a nada se distraia. Quando o pai lhe perguntava por que o socó estava lambendo as penas, à tardinha, na taipa do açude o aprendiz prontamente respondia o que aquela cena representava e qual recado estava dando a natureza. Se um lagarto ao atravessar o corredor deixava o rastro da cola serpenteado na areia havia uma explicação e a ela o aprendiz atendia prontamente em dizer a que vinha aquele pequeno aviso. Nada passava despercebido ao aplicado aluno, nada. Gostava de ouvir o pai dando as suas interpretações àquelas manifestações naturais e procurava não esquecê-las. Muitíssimas vezes, o menino matutava nos porquês da natureza por pura vontade de aprender e perguntava: - Por que o gado se achegava para perto do alambrado? E se virava de costas para os lados do Rincão Feliz? Na certa, dizia-lhe o pai, - lá vinha o minuano trazendo os três dias de vento forte, gelado e seco. Se o gado, ou os cavalos, se enquadrassem um pouquinho mais para o sul, lá para os lados da Mauá, mais ao sul, era batata: O vento ia calmar, o tempo ia se firmar, era o solzinho sudoeste ideal para o lagarteio que estava dando o ar da sua graça. Então, quero-quero e cachorro, quando davam sinal, o guri já tirava de letra... Gente? Bicho? Rápido, o recado já tinha sido decodificado. Já ficava à espera por que algum vizinho estava chegando para fazer uma visita ao rancho. Terêncio, com esse maravilhoso correr da vida, com o sonho e a esperança da casinha na cidade, aliado ao ensino que proporcionara ao guri, exultava. Num dia que morria cálido, sentado à soleira da porta, picando o fumo para o baio – palha de milho já aparadinha na orelha -, chamou o filho, de uma forma carinhosa, para perto dele. Agachado numa pedra mó que agora servia de portal da casa o guri esperava assunto, quieto, só ouvido... Então, com uma serenidade nunca vista em seu semblante, e uma ternura infinita, Terêncio pigarreou, olhou o horizonte, deu um suspiro e lascou a sua sentença, definitiva, a cerca de tudo que procurara ensinar: - Filho! Desta pouca sabedência que trago na cachola posso te dizer uma coisa, já que te amo tanto: - Sei que tenho sido duro contigo, mas, é lei simples, que ainda vais ensinar aos meus netos: - Quem dá a bóia, dá o induque!!!

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