Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Dona Margarida

Uma das lembranças mais marcantes que carrego comigo é a pessoa da Dona Margarida. Dona Margarida dos Gansos, por apelido, pela quantidade destas aves que ela criava, soltas, a campo, como se diz. Defronte à sua moradia (a crase eu pus por implicância), numa das esquinas, a Casa de Cômodos, ou puteiro - como queiram - do Zé Cavalieri, que além de proxeneta também era alfaiate; noutra, a casa da Dona Menininha, que vendia lenha. Todos vizinhos. A Dona Margarida tinha dois filhos: o Leandro e o Pajá. O primeiro morreu quando eu ainda era menino, não guardei uma lembrança clara dele, mas, o outro, até bem pouco existia e foi figura folclórica e benquista na cidade. Lembro, como se fosse hoje, das orações que ela fazia nas suas benzeduras para cobreiros, verrugas, conquistar amores inatingíveis, andaços e dor de dente, entre tantas. Muitas vezes fui à sua casa (vou por crase antes do pronome para continuar inticando com os versados no vernáculo) em busca de uma benzedura para a espinhela caída. Depois de curado, em retribuição, como paga ao restabelecimento, levava um maço de cigarros Havaii ou Tufuma, já que ela não cobrava dinheiro e só recebia presentes. Vale dizer que eu sempre melhorava com as suas rezas. Quando a benzedura era para a espinhela caída ela media a gente com um barbante. Era assim que ela estudava seus pacientes: se a extensão que existia da ponta de um ombro ao outro não conferia com a medida da ponta do dedo mínimo até o cotovelo, a espinhela estava caída. Para a cura ela fazia diferentes orações de acordo com cada estágio da doença, e que dependiam da gravidade do caso. Havia horário para as benzeduras e todas eram sempre de dia, antes do sol se por. Mandava a gente segurar um objeto de ferro para começar a lamúria: - Espinhela caída, ventre derrubado, eu te ergo, eu te curo, eu te saro, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, da espinhela caída estás curado! Certa vez, ela me mandou embora sem benzer a espinhela por que as extensões ombro a ombro e ponta do dedo mindinho ao cotovelo estavam iguais. Ela achava que era quebrante. Falha humana, dela... Eu bem que sabia o que era... Dessa tiriça só fui me curando depois que mudamos de casa - para bem longe da vizinha mais gostosa que já tive! Foi por esta época que nasceram os meus primeiros e rudimentares conhecimentos de medicina: Que o choque anafilático de vizinha boa com adolescente é um veneno para a espinhela... Para o quebrante, então, é um porrete... Mas, me curei, Graças ao Bom Deus! Não sem antes muitíssimas colheres diárias de Wa-Ka-Mo-To e óleo de capincho no feijão. Coisa braba, guris, é ter a idade do macaco!!! Depois, só voltei na Dona Margarida quando tive azia pela primeira vez. Sempre foi tiro, e queda: agulha, linha, um pedacinho de pano, o Espírito Santo... Costurando enquanto lamuriava baixinho a reza. Enquanto ela viveu, nunca mais tive azia. Das simpatias, para ser correspondido pela amada, lembro uma que ela fez especialmente para mim: Três penas de qualquer passarinho, três pétalas de rosa de qualquer cor, bem embrulhadas em um papel branco. Carregar trocando sempre de bolsos por sete dias. Interessante que este amuleto eu o encontrei dia desses, sem uso, ainda, novinho em folha (ou em pétalas), dentro de uma gramática de latim que eu não abria há quarenta e tantos anos. Acho que ele não faz mais efeito... Sei não... Vou guardá-lo para alguma precisão. Quem sabe?... Dizem que velhos são os anos! (2011, outubro, Dia da Criança)

Nenhum comentário:

Visitantes

Marcadores