Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

domingo, 27 de abril de 2008

Destinos

O Seu Alcidezinho foi famoso como relojoeiro na cidade. Sua primeira pergunta de cunho profissional ao cliente com o relógio emperrado tinha três partes: Este relógio caiu no assoalho, no chão duro ou na areia? Frente a qualquer das respostas vinha à luz, invariavelmente, sempre o mesmo diagnóstico: - Então, enredou o cabelo... E, assim, não havia surpresa nenhuma quando um gozador saía com uma sugestão de colocar um pouco de glostora, de óleo de mocotó ou da seiva fervida de babosa, para ver se a máquina desempacava. O relojoeiro ficava amuado, mas não repugnava o ministério se atirando com suas ferramentas ao conserto da máquina. Fuçando daqui e dali, fosse ou não fosse o cabelo, cada vez que um relógio botava para funcionar o cliente saía elogiando, cada vez mais aumentando a fama profissional do Seu Alcidezinho. Mas, deixa, que certa feita, a compostura de relógios andou por baixo e o nosso amigo teve que inventar um bico para sair da situação. Deu-lhe na telha, pois, de fazer baile de campanha. Tudo num belo salão de leiva que construiu para tal fim, lá no Passo do Simão, bem ali na entrada do Corredor da Dona Bibica, meio de esguelha com a venda do Telista. Num dos bailes, lá pelas tantas da madrugada, com o lampeãozinho Colemann afiadíssimo, como ele mesmo dizia, depois de um check up, e os pares levantando a poeira do chão batido, ele notou que uma rapaziada dali mesmo do Passo fazia algazarra em tom de deboche. Não deu outra. Irritado, pede para o Planchão parar a gaita de botão em que fazia dupla com o Bernardo ao violão. Pôs bem no centro do salão uma barrica de rapadura que ganhara na venda do Miguel Aliodes, subiu nela e começou um interminável discurso em que descascarreava os moços inconvenientes. Súbito, o Nenê do Abílio, de conversa com o Volmer, debochando do chazinho, deu uma gaitada, a todo pulmão, que ressoou pelo salão. Foi a deixa para que do discurso em que falava no benefício que o divertimento de um baile fazia aos pobres, o Seu Alcidezinho se enfurecesse soltando impropérios ainda hoje impublicáveis. Foi tamanha a virulência do discurso e os pulos que ele dava que a barrica acabou desfundando. Baixinho do jeito que ele era só ficara aparecendo seu corpo dos ombros para cima. Na ridícula posição em que foi parar, tendo as pernas e braços imobilizados, de dentro da barrica lançava aos circunstantes um olhar de súplica por socorro. Em sua ajuda uma boa alma teve a idéia de virar a barrica. Deu certo. Ele se safou rastejando, fazendo senha e gritando para os músicos: Dê-lhe uma valsa. Aquela do Pedro Raimundo... Depois, ante as perguntas que lhe faziam sobre o incidente do baile - cumprindo um destino inexorável - ele acomodava a resposta: - Aquele baile não foi nada disso. Ele tava que era um relógio, com o cabelo bem azeitadinho...

Um comentário:

Unknown disse...

Dr. Arnóbio, lendo tuas postagens,viajamos no tempo.Moramos nesta terra até 1978,onde nos crimos, estudamos,casamos e temos um amor incondicional por este pago. Tenho 54 anos e me identifico com muitas dessas descrições de pessoas,locais etc.., e ficamos impressionados com a fidelidade dessas descrições.Parabéns!Paulo Fernando Oliveira,advogado

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