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sábado, 26 de abril de 2008

O Cantor

O Festival de Calouros que relembro aconteceu na Praça da Matriz, no início dos anos setenta, defronte ao Prédio da Biblioteca Pública. Muitos festivais e muitíssimos cantores se apresentaram para revelar talentos que se tornaram conhecidos na cidade. Um destes artistas, que foi famoso nestas paragens, tinha o nome de Atanásio. Atanásio Gantes, “El Gantecito”, como era apresentado, quando subia ao palco. Teria, naquela época em que procurava mostrar suas qualidades, a provecta idade de setenta anos, para mais. Na sua simploriedade apresentava velhas canções conhecidas com letra de sua autoria. Ingênuo, pobre de espírito, pensava receber aplausos enquanto as vaias e a gozação campeavam frouxas a cada música apresentada. Não havia, de verdade, naquilo que cantava uma nota musical que casasse com a outra, nada de tons, nada de melodia ou ritmo. Até no nome das canções havia aquele delírio que só a demência justificava: A Dama de Vermelho era a principal e as variantes traziam os nomes de Dama de Preto, Dama de Branco, Dama de Azul que se sucedia em damas nomeadas com as cores do arco-íris, todinhas. Nada ele trocava senão a cor da dama. Outra música que ele cantava sempre era uma marcha-rancho furtada ao Bloco Girafa da Cerquinha, de Pelotas. Quando ele dizia que a girafa estava maluca, a expressão ta maluca, ta maluca, ta maluca, se espichava por mais de trinta vezes, tudo em meio ao riso da platéia (aqui a expressão platéia é grifada em itálico por que ninguém de fundamento, mas ninguém, mesmo, assistia ao festival; puro eles os que se prestavam para aplaudir, sem pena, os deficientes se expondo ao ridículo). Neste festival o Atanásio se apresentou com uma roupa à altura do seu talento, confeccionada especialmente para a ocasião. Eles, os bandidos, compraram alguns metros de tecido astrakan, cor-de-rosa, na recém inaugurada Loja do Balaco. Perdeu-se no tempo o nome da profissional que costurou, com um tecido daquela cor, um casaco e uma calça de pernas boca-de-sino. O pobrezinho, no palco, sob a iluminação, não tinha diferença nenhuma da ave aquática chamada de colhereiro. Passado o evento o nosso cantor, aos fins-de-semana, continuava a desfilar com a roupa de artista e a faixa à espera de uma oportunidade para cantar. À espera de um próximo festival. E, quando chegava a época deles, dá-lhe desafios, dá-lhe indagação pelas novas composições que eram sempre as mesmas e dá-lhe treinos do gogó pelos bares e esquinas. Seu Atanásio tinha uma olaria, lá para as bandas do ora Bairro Promorar. Velho, ainda trabalhava na faina de fazer tijolos. Sua família resgatou-o do abandono no fim da década e levou-o para morar na Capital. Nunca mais fizeram festivais de calouros com a excelência dos que ele participava. Nos festivais pontificaram outros talentos, muitos outros, mas, a faixa de melhor, tiveram eles paciência, sempre foi parar no peito do Atanásio. Eu, hein?

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