O Festival de Calouros que relembro aconteceu na Praça da Matriz, no início dos anos setenta, defronte ao Prédio da Biblioteca Pública. Muitos festivais e muitíssimos cantores se apresentaram para revelar talentos que se tornaram conhecidos na cidade. Um destes artistas, que foi famoso nestas paragens, tinha o nome de Atanásio. Atanásio Gantes, “El Gantecito”, como era apresentado, quando subia ao palco. Teria, naquela época em que procurava mostrar suas qualidades, a provecta idade de setenta anos, para mais. Na sua simploriedade apresentava velhas canções conhecidas com letra de sua autoria. Ingênuo, pobre de espírito, pensava receber aplausos enquanto as vaias e a gozação campeavam frouxas a cada música apresentada. Não havia, de verdade, naquilo que cantava uma nota musical que casasse com a outra, nada de tons, nada de melodia ou ritmo. Até no nome das canções havia aquele delírio que só a demência justificava: A Dama de Vermelho era a principal e as variantes traziam os nomes de Dama de Preto, Dama de Branco, Dama de Azul que se sucedia em damas nomeadas com as cores do arco-íris, todinhas. Nada ele trocava senão a cor da dama. Outra música que ele cantava sempre era uma marcha-rancho furtada ao Bloco Girafa da Cerquinha, de Pelotas. Quando ele dizia que a girafa estava maluca, a expressão ta maluca, ta maluca, ta maluca, se espichava por mais de trinta vezes, tudo em meio ao riso da platéia (aqui a expressão platéia é grifada em itálico por que ninguém de fundamento, mas ninguém, mesmo, assistia ao festival; puro eles os que se prestavam para aplaudir, sem pena, os deficientes se expondo ao ridículo). Neste festival o Atanásio se apresentou com uma roupa à altura do seu talento, confeccionada especialmente para a ocasião. Eles, os bandidos, compraram alguns metros de tecido astrakan, cor-de-rosa, na recém inaugurada Loja do Balaco. Perdeu-se no tempo o nome da profissional que costurou, com um tecido daquela cor, um casaco e uma calça de pernas boca-de-sino. O pobrezinho, no palco, sob a iluminação, não tinha diferença nenhuma da ave aquática chamada de colhereiro. Passado o evento o nosso cantor, aos fins-de-semana, continuava a desfilar com a roupa de artista e a faixa à espera de uma oportunidade para cantar. À espera de um próximo festival. E, quando chegava a época deles, dá-lhe desafios, dá-lhe indagação pelas novas composições que eram sempre as mesmas e dá-lhe treinos do gogó pelos bares e esquinas. Seu Atanásio tinha uma olaria, lá para as bandas do ora Bairro Promorar. Velho, ainda trabalhava na faina de fazer tijolos. Sua família resgatou-o do abandono no fim da década e levou-o para morar na Capital. Nunca mais fizeram festivais de calouros com a excelência dos que ele participava. Nos festivais pontificaram outros talentos, muitos outros, mas, a faixa de melhor, tiveram eles paciência, sempre foi parar no peito do Atanásio. Eu, hein?Quem sou eu
Al Di Lá
Você se lembra do filme Candelabro Italiano?
sábado, 26 de abril de 2008
O Cantor
O Festival de Calouros que relembro aconteceu na Praça da Matriz, no início dos anos setenta, defronte ao Prédio da Biblioteca Pública. Muitos festivais e muitíssimos cantores se apresentaram para revelar talentos que se tornaram conhecidos na cidade. Um destes artistas, que foi famoso nestas paragens, tinha o nome de Atanásio. Atanásio Gantes, “El Gantecito”, como era apresentado, quando subia ao palco. Teria, naquela época em que procurava mostrar suas qualidades, a provecta idade de setenta anos, para mais. Na sua simploriedade apresentava velhas canções conhecidas com letra de sua autoria. Ingênuo, pobre de espírito, pensava receber aplausos enquanto as vaias e a gozação campeavam frouxas a cada música apresentada. Não havia, de verdade, naquilo que cantava uma nota musical que casasse com a outra, nada de tons, nada de melodia ou ritmo. Até no nome das canções havia aquele delírio que só a demência justificava: A Dama de Vermelho era a principal e as variantes traziam os nomes de Dama de Preto, Dama de Branco, Dama de Azul que se sucedia em damas nomeadas com as cores do arco-íris, todinhas. Nada ele trocava senão a cor da dama. Outra música que ele cantava sempre era uma marcha-rancho furtada ao Bloco Girafa da Cerquinha, de Pelotas. Quando ele dizia que a girafa estava maluca, a expressão ta maluca, ta maluca, ta maluca, se espichava por mais de trinta vezes, tudo em meio ao riso da platéia (aqui a expressão platéia é grifada em itálico por que ninguém de fundamento, mas ninguém, mesmo, assistia ao festival; puro eles os que se prestavam para aplaudir, sem pena, os deficientes se expondo ao ridículo). Neste festival o Atanásio se apresentou com uma roupa à altura do seu talento, confeccionada especialmente para a ocasião. Eles, os bandidos, compraram alguns metros de tecido astrakan, cor-de-rosa, na recém inaugurada Loja do Balaco. Perdeu-se no tempo o nome da profissional que costurou, com um tecido daquela cor, um casaco e uma calça de pernas boca-de-sino. O pobrezinho, no palco, sob a iluminação, não tinha diferença nenhuma da ave aquática chamada de colhereiro. Passado o evento o nosso cantor, aos fins-de-semana, continuava a desfilar com a roupa de artista e a faixa à espera de uma oportunidade para cantar. À espera de um próximo festival. E, quando chegava a época deles, dá-lhe desafios, dá-lhe indagação pelas novas composições que eram sempre as mesmas e dá-lhe treinos do gogó pelos bares e esquinas. Seu Atanásio tinha uma olaria, lá para as bandas do ora Bairro Promorar. Velho, ainda trabalhava na faina de fazer tijolos. Sua família resgatou-o do abandono no fim da década e levou-o para morar na Capital. Nunca mais fizeram festivais de calouros com a excelência dos que ele participava. Nos festivais pontificaram outros talentos, muitos outros, mas, a faixa de melhor, tiveram eles paciência, sempre foi parar no peito do Atanásio. Eu, hein?
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