Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Aparências
Os dois pontinhos pretos no horizonte, via-se agora, eram dois cavaleiros que desciam a encosta para alcançar uma picada do Simão. Margeado o corguinho que se formava no campo quando havia enxurrada, aproximaram-se e desapareceram em meio à mata de tarumãs, coqueiros e guajuviras. Vencido o arroio ressurgiram alguns instantes depois, num devagar preguiçoso, para transpor a coxilha ao longe. A luminosidade do campo só perdia para o azul do céu. Mesmo fosse inverno fazia uma tarde maravilhosa. O dia parecia de primavera – com uma tepidez que convidava para abraçá-lo, bebê-lo, enlear-se... Com a proximidade da dupla dava para ver no primeiro gaúcho que cavalo e cavaleiro traziam um porte garboso. Dir-se-ia do primeiro que era o Senhor da Mancha no seu Rocinante - saltava aos olhos o que escrevera o cearense famoso quando definiu o gaúcho como o Centauro dos Pampas: fosse ele o rei da criação, seria o cavalo o seu trono... Montaria ele um cavalo de raça e estirpe talvez descendente do La Invernada Hornero, ou outro BT, abrindo caminho e primeriando à lida? Ao menos parecia... Já com o de atrás se agigantava a triste imagem do fiel escudeiro espanhol montando seu burro orelhudo se arrastando aos trancos, lerdo, jururu e dolentemente... Os dois juntaram o gado e encerraram-no na mangueira para a vacina. Terminada a lida soltaram os bichos quando o poente já se avermelhava com o sono do dia. Com o serviço terminado eles partiram pelo mesmo caminho que vieram. Lá na coxilha, imitando a bela, mas irritante e recorrente silhueta dos tuaregs e seus dromedários nas faldas das areias saarianas, a dupla seguia distanciando-se dos nossos olhos. Difícil acreditar, mas, definitivamente, naquela dupla os papéis estavam trocados... O Nenê, que vinha no cavalo indolente, a tranco, fora criado na lida do campo desde que se conhecera por gente. Mais: domador conhecido nesta zona da Figueirinha. Seu companheiro, e meu vizinho, o Júlio, embora soubesse montar bem, conheceu cavalo quando já era taludo. A nós as aparências não estavam enganando. Lá, Cervantes, quando escreveu sua obra de ficção criou dois tipos: um era o Ideal (Quixote) o outro o Real (Sancho). Cá, para nós, o do cavalo garboso – citadino - era o Ideal. O outro, - exímio cavaleiro - que simplesmente andava a cavalo, sem fleuma nenhuma, era o Real. Tal crônica está sendo feita ao ensejo das festas que se aproximam. Nestes tempos de festejos da epopeia farroupilha de “35”, em que desfilam altaneiros cerros e cerros de gaúchos vergamotas, quem diria que Cervantes está mais presente nas nossas festas do que o General Netto, que o Silva Tavares ou que o Pedro Canga...
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Só o Martín, criança ainda, que desde nosso alpendre, cuidava o movimento do Nenê e do Júlio, desde o início, ingenuamente, quando eles desapareceram no horizonte, sussurrou baixinho no meu ouvido, perguntando: - Vô! O tio Nenê é maturrango?

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