Al Di Lá

Você se lembra do filme Candelabro Italiano?

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Benzedura

Benzedura

Pouco a pouco, as palmas se misturavam com uma voz gritando: Óh! De casa! O desconhecido chegara pedindo licença para se aproximar. Boleou a perna na cerca de arame e se apresentou dizendo que se chamava Feliciano e que cortava lenha nas redondezas, que era gente séria; conhecida e tal e que só viera por que lhe disseram que possuíamos um violão. Dizia que tinha uma vontade tão grande, tão grande mesmo, de tocar um tango que, em troca, de presente, pela satisfação que lhe daríamos emprestando o pinho, varreria nosso terreiro de paga, cortaria lenha, até. Confirmando que havia um violão em casa à disposição de quem quisesse aproveitar, o nosso visitante pediu para tocá-lo. A princípio causou surpresa a inusitada figura que chegara, mas, a bocado, o jeito engraçado do Feliciano me cativou e dei-lhe o violão para que satisfizesse seu desejo. Para surpresa, realmente ele tocava alguma coisa. Tocou um tango, uma ou duas milongas e uma música do Roberto Carlos todinha. E, só. Acho que terminavam aí seus conhecimentos musicais... Acabou amigo da casa e, vez que outra, aparecia para um pernoite e depois da refeição pegar o violão para repetir as mesmas músicas de sempre... Um dia, no meio da tarde, o céu se encardia lá para os lados do Cerro dos Mulatinhos. Minuto a minuto aquele paredão escuro, prenunciando temporal, se aproximava. A coisa vinha feia para os lados da nossa Figueirinha... Por acaso, naquele momento, contávamos com a visita do Feliciano que, jogando conversa fora, começou a dar palpites sobre o tempo. Frente ao que poderia acontecer toureava o Nenê para uma jogada: Que a chuva e o vento não nos pouparia e que cairia pedra, que vinha chuva lavada, ou o que fosse, e por aí, ia... O outro dizia que o negrume ia se afastar lá para os lados da Airosa Galvão, passando ao largo. Acabaram apostando uma garrafa de vinho e eu fiquei de juiz... Esperávamos o desfecho, quando o Nenê parecendo amenizar a espera, pegou o machado e foi até o picador rachar lenha. Cuidando a faina do Nenê, picando acha a acha, enquanto se amontoava a lenha, o Feliciano fingia estar distraído embora estivesse atento. Quando cessaram as batidas no picador e o Nenê não apareceu, o nosso visitante levantou-se, à moda de quem espreita alguma coisa, e fez a volta no galpão, à procura dele, que havia sumido disfarçadamente. Ai, minina! A cena que se desenrolou, então, foi memorável... Naquele curto espaço de tempo, o Nenê, escondido, virado para o horizonte enfarruscado benzia o mau tempo, fazendo cruzes no espaço com o machado, cortando o vento. Não deu outra: O Feliciano vendo a benzedura que o outro fazia para afastar o temporal correu em minha direção, desorientado, aos berros, pedindo para abrir a aposta: Assim não vale! Benzendo não vale, é roubo, é roubo!

Nenhum comentário:

Visitantes

Marcadores